Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira morreu há sete anos, mas ainda tem muito a nos ensinar

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira morreu há sete anos, mas ainda tem muito a nos ensinar

Tive acesso aos textos-livro do próprio Doutor com colaboração de Kátia Bagnarelli Vieira de Oliveira, sua última esposa.

Kátia, hoje coincidentemente executiva do Departamento Comercial do Grupo Bandeirantes de Comunicação, cedeu-me de forma espontânea o que Sócrates escreveu, pacientemente.

Já estive com ela três vezes e em todos esses encontros a viúva do Doutor chorou, de amor e de saudade.

Aqui, texto aprovado por ela e a mim enviado, transcrevo a inteligência do Magrão analisando futebol e a vida que viveu intensamente, sem rancores ou arrependimentos.

Sócrates e Kátia, em uma das primeiras internações do Doutor. Foto: Jorge Araujo/Folhapress (via UOL)

Boa leitura de uma aula de vida e sinceridade de um gênio médico, escritor, jogador e referencial autêntico de vida.

Aula, sim. Afinal, quem definiria tão bem as insistentes comparações entre Pelé e Maradona?. “Gente, é uma grande bobagem tentar compará-los. Até porque possuíam habilidades diferentes. Se fosse para criar uma imagem que definisse quem é quem, eu diria que Pelé era o cara do trapézio que fica de cabeça para baixo para receber o colega. Um indivíduo que não pode errar nunca senão coloca a vida do outro em risco. Já Maradona seria este outro que jamais se cansa de dar um milhão de mortais sem se dar conta do perigo que corre. E sem eles, obviamente, não haveria circo”.

O Doutor também deixou registrado o seu raciocínio sobre a relação do brasileiro com seus ídolos. “É interessante perceber que estas demonstrações de puro encantamento sejam tão raras aqui no Brasil. Pelé é um bom exemplo de quão distantes estamos daqueles que nos representam. Na verdade, não possuímos a paixão por estas figuras populares. Só mesmo em caso de um acidente de proporções gigantescas é que nos mobilizamos para cultuá-los. Ou, quando é o caso, se o personagem é realmente representativo do que esperamos deles. Aí sim nos sentimos próximos e existe uma identidade a nos aproximar. Mas, geralmente de maneira humana e realista e quase nada de veneração”.

Sobre encarar Telê Santana logo após a eliminação da Copa de 1982, Sócrates relatou: “Mais uma vez me transportou a meu pai. Julguei que a dor que os dois estavam sentindo era da mesma intensidade. Chorei por eles muito mais que por outra coisa, mas as lágrimas escorriam com dificuldade. Estava esgotado e ressecado. Só vim saber exatamente o que representava aquele sentimento muito tempo depois quando meu velho partiu. Queria ser um milagreiro para trazê-lo de volta, assim como para resgatar aquele título mundial a quem mais o merecia: Telê Santana”.

Sobre o seu sorteio para o doping após a vitória brasileira sobre a Nova Zelândia, também em 1982, Sócrates recordou o seguinte: “Legal, quem sabe não sobra uma cervejinha, pensei. Depois de meses de preparação eu estava numa secura de dar dó. (...) Quando o cara abriu a geladeira, tentei disfarçar o sorriso. Estava entulhada de tudo que é tipo de bebida. Uma beleza! Tomava a minha segunda latinha quando percebi que os outros já haviam terminado a missão. E eu, sem nenhuma vontade. Na verdade, não queria que aquilo terminasse nunca. Acabei como estoque de cerveja e passei para o champanhe. E nada. Vinho, nada. Refrigerante, nada. Só quase 3 horas depois, consegui colher o material. Quando saí do estádio, ninguém mais do time me esperava, mas eu era o mais feliz dos homens. Estava em êxtase. Foi um dos melhores dias de minha vida”.

E o Doutor também tinha uma solução para inibir os escândalos de manipulações de resultados. “Esta é a lógica da corrupção. Centralização de poder e fragilidade dos poderosos. O futebol como ele é constituído até hoje, serve exatamente para que possa haver manipulação de resultados. (...) Deveríamos ter um número maior de árbitros participando das decisões de uma partida de futebol. Assim, o roubo seria mais difícil. Mas será que a FIFA quer isso?”.

Viram só, meus amigos?

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira morreu há sete anos, mas ainda tem muito a nos ensinar.

Ave, Doutor!

Abaixo, você confere a íntegra do capítulo “Saudade insuportável”, no qual Sócrates conta uma bonita história envolvendo Casagrande e sua primeira esposa:

Saudade insuportável

Estive pela primeira vez no Japão no início dos anos oitenta. Jogava no Corinthians e realizaríamos três partidas contra a seleção olímpica japonesa. Havia um sentimento de estranheza no ar: jamais imaginei que pudesse haver interesse do público daquele país pelo futebol. Até porque sabia que este esporte não fazia parte da cultura daquele povo que enchia os ginásios para assistir às competições de sumo e judô, mas não de futebol. Foi nesta viagem que ocorreu um dos fatos marcantes da nossa experiência na democracia corintiana. É que um dos nossos companheiros se apaixonara. Paixão, bendita paixão. Este sentimento é o mais vigoroso e arrebatador de todos os que podemos vivenciar. Quando estamos apaixonados todo o resto é secundário. A única força que necessitamos é a presença da razão de nossa paixão—física de preferência. A sua imagem não nos sai do pensamento e todas as ações estão voltadas para ela. Já me apaixonei dezenas de vezes. Talvez esta seja a características mais marcante da minha existência. Sem a paixão me parece que a vida tem um sentido menor, tornando-se mais cinzenta e triste, e que os dias se tornam mais longos e cansativos. Não há brilho, não há cores. Um verdadeiro caos. Já fiz todas as loucuras possíveis por uma paixão e acompanhei outras semelhantes. Quando o Casagrande, o nosso colega em questão, apaixonou-se pela sua futura mulher, transformou-se. Ele, que pouco estava preocupado com qualquer coisa que seja até então, apegou-se de tal forma a este sentimento que quase joga fora a sua carreira esportiva. Por paixão, tudo vale! Pois foi poucos dias depois de conhecê-la que tivemos que voar para o Japão. Notamos que ele estava muito diferente do que sempre foi. Em vez de expansivo e alegre, estava calado e triste. Encostou-se na sua poltrona e quase nada falou durante as quase 24 horas de viagem. Quando lá chegamos, ele provocou talvez a primeira reunião importante da democracia corintiana—para discutir uma possível volta antecipada para casa para poder revê-la imediatamente. Alguns argumentaram que aquele gesto poderia atrapalhar os seus planos profissionais e que deveria tentar suportar a ausência da melhor forma possível. Eu, como havia passado por aquilo algumas vezes, fiquei do seu lado sabedor da dor que estava sentindo. Foi quando o Edu (Eduardo Amorim) pediu a palavra e expôs que em nossa profissão tínhamos que passar por muitas coisas difíceis pois ficávamos muito tempo longe das pessoas que gostávamos e que nem ao enterro de seu pai ele havia tido a oportunidade de comparecer devido à distância de onde se encontrava naquele dia. Aquela revelação nos derrubou e o Casão se conformou em carregar a sua saudade por quinze longos dias. Eu, certa vez, no auge deste sentimento, fiz pior. Em determinada ocasião, cheguei a tomar a ponte aérea, já que ela morava no Rio de Janeiro e eu em São Paulo, quatro vezes no mesmo dia. Tudo isso respeitando os meus compromissos profissionais. Acordei de madrugada para tomar o café da manhã com ela. Logo após, voei para São Paulo para o treinamento da manhã. Ao meio dia, voei de volta para almoçar com ela. No começo da tarde, nova travessia para a capital paulista. Algumas horas depois, retornei para jantar junto da amada. Quando desembarquei em Congonhas (aeroporto de São Paulo)—naquela que seria a última viagem--, lá pelas 10 da noite, e ainda na sala de desembarque, bateu uma saudade no meu peito— uma vontade de ficar ao lado de quem amava—daquelas impossíveis de relevar e senti a necessidade, o desejo, a loucura de dormir com ela. E, quase sem racionalizar, acabei voltando para os braços queridos. Aquele último vôo representava o êxtase, a comunhão de sentidos, a felicidade plena. Nada, nem mesmo a vivência física do sentimento, é maior que aquilo que rumina na alma. Nem o sexo é fundamental. É que quando estamos apaixonados, parece que quem é foco do sentimento somos nós mesmos. Vemos-nos com muito mais carinho e respeito e acreditamos piamente que estamos acima de qualquer eventual restrição que o cotidiano nos coloque à frente. A paixão nos torna fortes como jamais supúnhamos. E este choque nos potencializa em tudo que fazemos. No trabalho também. Principalmente para quem pratica algum esporte ou exerce um ofício ligado a qualquer tipo de arte. Com as emoções à flor da pele podemos expressar com mais intensidade nosso talento e o resultado é excepcional. Só existe um problema: a dependência é plena. Temos que a qualquer instante sentir que o nosso sentimento está sendo correspondido na mesma intensidade e desejo. Um briga boba que seja pode nos destruir, nos jogar no chão. E aí, não conseguimos fazer mais nada enquanto não resgatamos a paixão ameaçada. Como se a felicidade nos escapasse entre os dedos.

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