Confira mais um texto sobre o futebol chinês

Confira mais um texto sobre o futebol chinês

Por Fábio Piperno

O primeiro jogo entre seleções asiáticas data de 1913, ano em que filipinos e chineses se enfrentaram em Manila. Uma das pioneiras na prática do esporte bretão entre as nações da nação região, a China logo ficou em desvantagem entre os vizinhos e jamais se aproximou do status de potência do continente conquistado por Coreia do Sul e Japão. Mas com a atual volúpia dos mega-investidores, que aportam recursos milionários na Chinese Super League e também em equipes da Europa, o futebol do país parte para o contra-ataque em busca de recuperar o tempo perdido.

Os portentosos grupos empresariais que emergiram no país nos últimos anos entraram em campo no futebol e são os responsáveis pelo boom que impressiona ocidentais, vizinhos orientais e que atrai volume cada vez maior de torcedores. Incentivador deste movimento, o governo do presidente Xi Jinping torce para que, no curto prazo, o futebol lidere o salto do volume de negócios gerado pela indústria do esporte. A expectativa é que o setor avance dos atuais 0,6% do PIB para 1% do conjunto de riquezas produzidas no país. Algo que hoje equivaleria a US$ 100 bilhões/ano.

Na janela aberta para a contratação de jogadores no início do ano, os clubes chineses despejaram generosos 337 milhões de libras, equivalentes a R$ 1,73 bilhão. Entre os investidores, destacaram-se algumas das marcas mais reluzentes do imponente capitalismo da China comunista.

Nos últimos anos, o grande dragão do futebol chinês e asiático tem sido o Guangzhou Evergrande Taobao FC. O clube é o atual pentacampeão nacional e ganhador de duas das três últimas edições da Liga dos Campeões da Ásia. Se já era forte sob o controle do grupo Evergrande, um dos líderes da China no setor da construção civil, ficou ainda mais poderoso com o acréscimo da marca Taobao ao nome. Se no ocidente ainda não quer dizer muita coisa, entre os chineses Taobao significa o ingresso no jogo do bilionário Jack Ma, simplesmente o dono da marca e fundador do grupo Alibaba, um dos maiores portais de comércio eletrônico do mundo.

Na China, o Alibaba é a plataforma pela qual transita mais de 50% do e-commerce local. Com o respaldo dessa retaguarda, o conglomerado de Jack Ma escalou a Taobao para ser sua ponta-de-lança no futebol, por meio da aquisição de 50% das ações do vencedor Guangzhou Evergrande, o time de Luiz Felipe Scolari e também de Paulinho, Ricardo Goulart e do colombiano Jackson Martinez, além de um grande contingente de integrantes da seleção chinesa.

Como rival municipal, a equipe de Jack Ma tem o Guangzhou R&F, time controlado por outra grande construtora. Do mesmo setor, o Greenland Group banca o Hangzhou Greentown FC. Outros gigantes da economia chinesa, a segunda maior do mundo, também investem pesado no jogo. O Shangai SIPG é a equipe da operadora do porto de Shanghai, um dos maiores do planeta em volume de carga transportada. Da mesma região, o Shanghai Shenhua pertence a Zhu Jun, o magnata dos videogames. As empresas estatais agrupadas no Teda Group controlam o Tianjin Teda. O Yatai Group, um colosso que atua em setores como mineração, construção e farmacêutico, mantém o Changchun Yatai. Já a emergente indústria automobilística local está r epresentada pelo Chongqing Lifan. Em comum, todos os conglomerados que investem na CSL estão em busca da exposição para suas marcas por meio de um esporte que superou o tênis de mesa e o basquete para se tornar o líder de audiência na televisão do país dos mandarins. No Brasil, a Chinese Soccer League pode ser v
ista com exclusividade no canal BandSports.

Mas se já impressiona dentro dos limites de um país habitado por mais de 1,3 bilhão de habitantes, o apetite do dragão do futebol ultrapassa fronteiras e alcança ricos mercados até mesmo da Europa. No final de 2015, a ousadia dos investidores chineses conquistou fatias de potências continentais, como o inglês Manchester City e o espanhol Atlético de Madrid, atuais semifinalistas da Liga dos Campeões da Europa.

O lance mais arrojado nesta investida global foi, sem dúvida, a aquisição de 13% do City Football Group, uma das maiores transnacionais da bola e que controla além do Manchester City o americano New York City FC, o japonês Yokohama Marines e o australiano Melbourne City. O conglomerado, de propriedade da Abu Dhabi United Group, recebeu US$ 400 milhões pela fatia vendida aos chineses. Quase ao mesmo tempo, o Dalian Wand Group, do bilionário Wang Jianlin, abocanhou por US$ 52 milhões 20% do Atlético de Madrid. Vale destacar que o clube colchonero vive a mais brilhante fase de sua história, conseguindo terminar por três temporadas consecutivas entre os oito melhores da Europa.

Ainda na Espanha, os chineses da Rastar Group compraram 56% das ações do Espanyol de Barcelona. Na República Tcheca, a cota foi de 60% do tradicional Slavia Praga, que na temporada 2013-14 lutou contra o rebaixamento e que atualmente já briga por vaga na Liga Europa. Outro investimento ocorreu na França, com a compra do Sochaux, clube que desde 1928 era uma das joias de família do grupo Peugeot. O novo controlador é o chinês Ledus, fabricante de componentes eletrônicos e especializado na produção de LED. Outro alvo dos yuans convertidos em euros foi o holandês ADO Den Haag.

Obviamente, o investimento na Europa visa inicialmente globalizar marcas que buscam novos mercados. Mas há outros objetivos menos explícitos: a importação de gestores de futebol e a ampliação da influência política do país, que pretende marcar presença nos centros de decisão do futebol mundial, algo que faz parte da estratégia de levar uma Copa do Mundo para a China.

Quando posa para selfies ao lado do primeiro-ministro David Cameron e do atacante Sergio Aguero, do Manchester City, e também quando se dispõe a chutar bolas de futebol na visita feita ao colossal centro de treinamento do clube inglês, o presidente chinês Xi Jinping está fazendo mais do que um mero esforço de relações públicas. Está, na realidade, sinalizando o pontapé inicial do longo jogo para tornar a China potência mundial também no futebol. E, por tudo que o país fez no esporte e na economia nas últimas décadas, não convém apostar que os chineses serão colocados para escanteio.

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