Há poucos dias faleceu Walter Mercado, ou Shanti Ananda (para os mais íntimos); talvez os mais jovens não se lembrem, mas o astrólogo porto-riquenho foi mercador das fantasias televisivas dos anos 90 e 2000. "Ligue dja (sic)", dizia como quem busca hipnotizar a audiência com seus anéis robustos e braceletes barulhentos, tais quais os de Sinhozinho Malta, de Roque Santeiro. Coisa de velho. Seu bordão convidada as pessoas a ligar para uma Central de Telemarketing e comprar seus DVDs e outras bugigangas.
Trabalhar numa empresa de atendimento telefônico é coisa quase démodé hoje em dia; no entanto, primeiro emprego de muitos - como deste que vos escreve - no início deste milênio. Falo à boca pequena, mas as nossas baias (fileiras de operadores) eram uma farra. Só eu atendia 600 pessoas por dia, mandando mensagens para "bips", ou pagers, celebrando o amor e encerrando casamentos, além de exercitar duas grandes artes entre uma chamada e outra: a maledicência e a adivinhação. Ali me descobri jornalista.
Nós, narradores, comentaristas, repórteres, gostamos de antecipar acontecimentos; sedentos pelo furo de reportagem, outrora apenas caçávamos as fontes telefonando para três ou quatro fontes, buscando a informação "quente" que poderia dar frutos à carreira. Vez ou outra, porém, usávamos o verbo no futuro do pretérito. "Dirigente garante que jogador tal viria ainda nesta semana"; ou ainda, "o São Paulo teria vencido, não fosse a participação desastrosa da arbitragem".
O locutor esportivo, insisto, adora cair neste canto de sereia, mesmo ciente da armadilha que é a antevisão do fato. Quantas vezes anotei faltas que não aconteceram tentando "ler a mente" do árbitro; outras tantas me peguei gritando "Caça...PRA FORA", achando que a bola entraria antes de ser chutada pelo atacante. Já encarnei essa estranha mania de ser o Walter Mercado do microfone. Nossa missão é encantar o nosso ouvinte, mesmo que para isso tenhamos que…exagerar um pouco.
No entanto, tenho notado uma certa mania atual nos muitos debates esportivos em que nós - incluo-me, claro - expomos diariamente nossas ideias a cerca do bom e velho futebol. Na busca da “lacração” e da chamada em caixa alta, eu mesmo recentemente mandei essa: “Fernando Diniz é o Telê Santana do século XXI”. Está lá no site da Rádio Globo, provocado que fui pela verve bem humorada do comentarista Raphael Prates. Não pude me conter e larguei essa no peito machucado do são-paulino. Por isso, peço desculpas.
Mas, visto que, além de mim, outros colegas buscam prever o futuro, com requintes de detalhes, resolvi prestar um serviço. Vem aí o final da temporada de futebol e, com ela, o tal “Vai e vem do Mercado”. Telefones piscando e whatsapp pulando nas redações apontando contratações e desligamentos. Aproveite portanto o nosso tutorial de previsões do jornalismo esportivo e tire aquela onda nas festas de final de ano.
1 - Eleja o tema do momento
Procure nas manchetes o que está em evidência no noticiário esportivo e extraia do tema a matéria prima da adivinhação;
2 - Pense na previsão mais alarmista
Analise a situação e veja como você pode colocar medo na torcida, antevendo o apocalipse para o clube objeto da visão da sua bola de cristal;
3 - Antecipe resultados, de preferência, de título
Quanto maior a antecedência, melhor, afinal, quem acerta antes fica com maior credibilidade. Eu decidi, antes da Copa América, apontar o Palmeiras como campeão; não fui feliz, mas quem nunca errou atire a primeira pedra;
4 - Debata com veemência
Fale alto e, de preferência, bata na mesa, defendendo com unhas e dentes que aquele treinador será demitido em mais dois jogos; alerte que outros estão no mercado e podem chegar a qualquer momento, por exemplo.
5 - Vá com sua tese até (quase) o final
Não importa que as coisas não estejam caminhando como você antecipou; são intercorrências do processo, afinal, a vida é dinâmica. Contudo, se o fato não se concretizar, diga que mudou de opinião; o esporte é dinâmico e “quem fica parado é poste”.
Anote com carinho e faça como milhares de torcedores pelo Brasil. Adote nossas boas práticas de adivinhação e feitiçaria midiática para “lacrar” no seu happy hour e tornar-se, por alguns instantes, cronista esportivo.
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