Discussões, separações, infortúnios dos mais diversos poderiam ser evitados. Foto: John Sibley/Reuters/via UOL

Discussões, separações, infortúnios dos mais diversos poderiam ser evitados. Foto: John Sibley/Reuters/via UOL

Cláudio era, acima de tudo, uma pessoa honesta, sem pontos e vírgulas nem senões em sua biografia de 55 anos. Dono de um escritório contábil próximo da Praça Ramos de Azevedo, ele comanda um time de cinco funcionários, todos registrados como manda o figurino, com direito a benefícios, prêmios e tudo mais. Era uma pessoa admirável no trato diário, no entanto, sabe como é, há os vícios – todo mundo tem. Seu problema era o telefone celular, mais precisamente, os aplicativos de mensagens.

Seu bom-dia era em emojis, as conversas com sua equipe tinham dezenas de figurinhas que giravam desde a cara de espanto de Galvão Bueno até o fofinho panda Pô, de Kung Fu Panda (entendedores entenderão), o boa-noite tinha sempre um GIF animado, normalmente um diabinho dançando. Cláudio tinha um humor peculiar, reconheço. E foi justamente o bendito Whatsapp sua pedra de tropeço. Certo dia misturou as várias conversas em seu aplicativo. Mandou um emoji furioso com um comentário ácido sobre um determinado cliente. Quando viu as duas marcações em azul no telefone do alvo de suas críticas, gelou a espinha.

Neste momento apelou para seu Anjo da Guarda, Ismael, sempre em prontidão, que já meneava a cabeça, observando o malfeito de seu amado protegido. “Ismael, estou ferrado! Sr. Arnaldo viu minha mensagem e vai acabar comigo. Dependo dele para manter o escritório. Por amor ao Pai, chame o VAR.” Dizem os kardecistas que, quando a gente morre, depois de algum tempo programamos nossa reencarnação. Porém, antes disso, vemos em vídeo nossa vida anterior e podemos corrigir os erros, resgatando nossas falhas como carmas. Cláudio conseguiu fazer isso em vida por ser um homem realmente especial.

Ismael foi ao totem todo azul-claro que emoldurava uma tela tipo amoled, dos celulares mais modernos. Pintado na lateral da armação de polietileno, figurava o logotipo não da CBF ou da Conmebol, mas o de Nosso Lar, que era onde trabalhava o anjo quando Cláudio não o chamava. Ele voltou a cena por diversos ângulos, como diria Odinei Ribeiro, do Sportv, olhou bem e viu que num truque desses que os aparelhos eletrônicos nos pregam, o aplicativo de mensagens bugou na hora do envio. “Não haveria de ser mesmo obra do Cláudio”, pensou o Guardião.

Como um árbitro Fifa, o ser alado voltou-se a fronte para os céus, fez o retângulo com as mãos e decretou, cruzando e agitando os braços: lance invalidado. O tempo regrediu e Cláudio apagou a mensagem trocando o branco de medo pelo vermelho da vergonha de ter que acionar o VAR celeste assim puerilmente. Ismael o deixou sorrindo, não sem antes pedir que nosso herói tivesse mais cuidado da próxima vez, já que um smartphone pode tornar-se arma em mãos desavisadas.

E você, se pudesse contar com um anjo-guardião vestido de árbitro para acompanhar a sua vida, em qual lance gostaria de ter uma revisão? Que momento da sua existência deveria ser apagado ou refeito, com base no apito eletrônico? Torcedor, qual opção é melhor: o jogo da vida humana, de erros e crescimento, ou o eletrônico que simula a realidade perfeita?

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