Seu andar é majestoso e suave como uma pantera negra nas noites africanas. Os olhos refletem seu estado de espírito, centrado. O corpo mesmo próximo dos 50 anos mantém a forma de um jovem de 30 anos.
 
Peter Venâncio é tido como "Rei sem Coroa?, o tipo de lutador que tem predicados para alcançar o posto máximo do boxe, porém o meio não lhe foi justo. Em seu caso foi nascido no Brasil e para estes os bastidores da modalidade são mais árduos, porém ele nunca se queixa. É grato pelo que obteve e mantém a dignidade evitando a auto piedade.
 
O início foi com Ralph Zumbano, "A Maravilha Brasileira? que encantou o mundo com seu balé nos Jogos Olímpicos de Londres em 1948. Venâncio não ficou muito tempo na academia da BCN. Lembra que lá não havia fotos de outros lutadores sendo um local modesto com espelhos, mas alto rendimento. Chama o tio de Eder Jofre de "o mestre?. Com ele o menino da Vila Brasilândia aprendeu ainda mais a respeitar o próximo.
 
Marcelinho Ferraz, respeitado amador, e hoje publicitário recorda dos tempos de capacete na BCN. Ele e Sidnei Dal Rovere eram dois dos poucos meninos brancos do local. Levou pouco tempo para se ajustarem e também para todos perceberem que no boxe conduzido por um mestre a academia não é espaço para disputas por aparências ou origens. Em meio à isto, o talento de Venâncio já era reconhecido ali.
 
Nos Jogos Olímpicos de Seul em 1988, Venâncio era uma das esperanças de medalha. Neste período já estava com o técnico Antonio Carollo, pupilo de Waldemar Zumbano e presente em cinco Olimpíadas, e com o grupo da Pirelli do qual também pertencia Sidnei Dal Rovere. Na Coréia do Sul, o brasileiro não conseguiu medalhas e não se apresentou bem, mas esteve no principal palco esportivo.
 
"No boxe profissional, o Peter disputou o título mundial e eu também. Como você vê há uma correlação entre nossas carreiras. Na primeira luta do Peter fora do Brasil, na Argentina, eu estava no corner dele como técnico e mesmo o boxeador sendo ídolo da cidade falei para Peter lutar na curta distância colocando upper no argentino?, lembra Dal Rovere, historiador e comentarista da nobre arte.
 
A estratégia foi aplicada e ele "foi perfeito taticamente e venceu sua primeira luta fora do nosso país?, define o contemporâneo. O combate foi contra Francisco Bernabe Bobadilla em Obera, na província de Mendoza em 1991.
 
As vitórias vieram mesmo no território dos rivais. Em 1998 alcançou o ápice, aos 32 anos chegou ao 1º lugar do ranking e disputou o cinturão mundial dos pesos médios da Associação Mundial de Boxe (AMB).
 
Acabou superado pelo americano William Joppy nos pontos que fazia sua segunda defesa e se manteve invicto. "O brasileiro perdeu num combate apertado, demonstrado pelas marcações do juízes a favor do campeão? lembra Daniel Fucs no post "Um médio bem acima da média? em seu blog. As papeletas acusaram 114-112, 114-113 e 115-112.
 
Diante de Marinho Soares fez combate memorável. O confronto entrou para a história do boxe nacional pela qualidade apresentada em um esporte que só teve lampejos no país assim como o alto nível da organização e divulgação.
 
Era 2005, e Venâncio superou o invicto Soares no 9º round por nocaute técnico diante do público do luxuoso Unique Hotel. "Fui convidado à comentar duas horas antes, comentei a luta que pôs fim a carreira, até então invicta do Mario Soares. Ainda tenho a gravação desta luta?, recorda Dal Rovere.
 
Mais uma apresentação relevante se deu no mesmo ano e Carlos Eduardo Balduíno o derrubou no 2º round deixando a plateia boquiaberta e muda. Peter voltou com categoria e o venceu por nocaute no 4º giro.
 
Um dos principais admiradores de Venâncio foi conquistado após uma de suas derrotas. O pugilista Marcus Vinícius de Oliveira, o "Ratinho? iniciou no caminho dos punhos em 2002 no Centro Olímpico do Ibirapuera e ouvia das pessoas do meio as histórias do ídolo.
 
"Nesse mesmo ano teve a luta mais bonita entre dois brasileiros que assisti?, comenta sobre Venâncio quando foi superado pelo campeão paulista Roberto Coelho em decisão nos pontos dentro de 10 rounds. "Assim começou minha admiração pelo Peter?. Mesmo após ser vencido, Venâncio sempre demonstrou nobreza e elegância nos atos e nas entrevistas, sem se exaltar ou praguejar contra o adversário ou mesmo a vida.
 
Assim como Ratinho, Venâncio já foi pugilista do famoso e polêmico empresário Don King. Ano passado convidou o jovem para um café da manhã e lhe contou toda sua história com o homem de negócios. Ratinho aprendeu as lições e conversa sobre elas com a esposa e assessora de imprensa Juliana Casellatto enquanto tomam muito das suas decisões baseadas no que foi dito enquanto tomava café e comia pão com o ídolo.
 
Fucs aponta que quando esteve com Don King Venâncio "já não era mais um garoto?. Acredita que se a parceria se desse antes poderia render mais frutos. "Porém, sempre tive o sentimento que sua carreira poderia ter sido diferente se tivesse do seu lado um empresário mais interessado e bem relacionado quando era mais jovem, no início da carreira?.
 
Tempos depois do café Ratinho e Venâncio fizeram um sparring nas dependências da Academia Oficina no centro de São Paulo. Uma oportunidade para os alunos de Venâncio ver o seu boxe elegante e também apresentar Ratinho, dono de um estilo mais agressivo, mas que vem polindo suas ferramentas com o tempo.
 
O pupilo mais presente é Wagner Silva com quem aparece nas vídeo-aulas. O rapaz de 35 anos esclarece que tudo que sabe da nobre arte veio do mentor: "postura, desemprenho, disciplina e foco quando vou lutar. É extremamente rigoroso com a parte física e a parte técnica?.
 
Entretanto, para Silva a maior lição não foram jabs e postura, mas sim humildade para "tratar com igualdade o atleta profissional e o amador? atendendo as suas necessidades assim como o "recreativo? que chega tímido na academia e com a modalidade extravasa sentimentos, faz amigos e perde a inibição.
 
Os alunos prestam atenção nos seus treinos e ensinamentos, parecem judocas num dojo dada a educação e respeito que demonstram, um comportamento reproduzido pelo tatuado lutador de MMA ao empresário que acabou de tirar o terno. A autoridade do mestre vem de forma natural.
 
Em outubro do ano passado fez uma despedida em evento de artes marciais e não do meio pugilístico, sua fama no Brasil foi para outras modalidades. Voltou aos ringues após 5 anos fora para dizer "tchau?, e venceu o respeitável Ruy da Glória. A luta foi muito elogiada e deixou pessoas querendo seu retorno.
 
Venâncio é como os da antiguidade, poucos sabem sua história assim como sua coroa merecida não veio, mas é reconhecido pelos pares e isto é um orgulho maior do que cinturões vazios e aplausos momentâneos. Primus inter pares.
 

His walking is majestic and smooth like a black panther from the African nights. His eyes reflects his spiritual moment: focused. His body even reaching 50 years old still has the frame of a 30 years young man.
 
Peter Venâncio is pointed as "King without Crown?. He is the kind of fighter who owns the background to be in the pinnacle of boxing but this environment was unfair to him. He was born in Brazil and in this country the backstage of this sport is a tough place however he never complains. He is thankful for what he achieved and keeps his dignity never expressing self-pity.
 
His beginning was with Ralph Zumbano, " The Brazilian Wonder? who delighted the world with his ballet in the Olympic Games of London 1948. Venâncio didn?t stick much time in BCN?s gym. He remembers that there were no photos of other fighters in the walls and the place was humble with just mirrors and equipment but known for high performance. He calls the uncle of Eder Jofre, "The Master?. With him the boy of the poor neighborhood Vila Brasilândia developed even further his respect for the others.
 
Marcelinho Ferraz ? a respected amauter and a propagandist nowadays ? reminds the times with helmet in BCN. He and Sidnei Dal Rovere were two of the few white boys in the place. It took a little space of time to adapt and to every of them to notice that in boxing conducted by a good maestro the gym has no place for feuds based in appearance or origins. In the middle of that the talent of Venancio was recognized.
 
In the Olympic Games of Seoul in 1988 Venâncio was pointed as a possible medal holder. During this time he was training under Antonio Carollo - pupil of Waldermar Zumbano who went to five editions of the Games - and the Pirelli group from which Sidnei Dal Rovere was also a member. In South Korea the Brazilian didn?t get any medal and he also hadn?t perform well but he was in the central stage of sports.
 
"In professional boxing Peter challenged for the world title as myself. As you can see there is a correlation between our careers. In the first match of Peter outside Brazil ? in Argentina ? I was in his corner as coach and even the local being an idol in the city I told Peter to fight in close range and putting uppercuts in the Argentinian?, tells Dal Rovere, historian and commentator of the sweet science.
 
The strategy was applied and he "was perfect tactically and won his first bout outside our country? defines his friend. The combat was against Francisco Bernabe Bobadilla in Obera, in the province of Mendoza in 1991.
 
Victories were conquered even in rival territory. In 1998 he reached his apex with 32 years old and became the number one in the ranking challenging for the middle weight crown of World Boxing Association (WBA).
 
He was surpassed by the American William Joppy in points who was making his second defense and maintained his invincibility. "The Brazilian lost in a disputed fight which was showed by the judges papers in the favor of the champion? remembers Daniel Fucs in his post "A middle weight above average? in his blog. The papers showed 114-112, 114-113 and 115-112.
 
He had a memorable combat facing Marinho (Lil? Mario as his rival is calles). The conflict became part of boxing national history for the quality showed in a sport that had only few stars as also the high-class of the organization and propaganda.
 
It was 2005 and Venâncio stopped the unbeaten Soares in the 9th round via TKO before the public in the luxurious Unique Hotel. "I was invited to make comments two hours before and I commented the match that ended the career of Mario Soares who was until then unconquered. I still have the tapes of this match?, recalls Dal Rovere.
 
Another important match was made in the same year and Carlos Eduardo Balduíno dropped him in the 2nd round leaving the attendance agape and mute. Peter came back classy and got a knockout in the 4th round.
 
One of the greatest admirers of Venâncio was obtained after one of his losses. The pugilist Marcus Vinícius de Oliveira, a.k.a "Ratinho? (Lil? Mouse) started in the path of hands in 2002 in the Olympic Center of Ibirapuera (São Paulo, Brazil) and heard histories of his idol spoken by oldtimers.
 
"In that very year happened the most beautiful match between two Brazilians that I ever saw?, says about Venâncio when he was bested by the São Paulo?s champion Roberto Coelho by points inside 10 rounds. "This is how I became an admirer of Peter?. Even after been beaten Venâncio always demonstrated nobility and elegance in his behavior and interviews without exalting himself or badmouthing his opponent or even life itself.
 
Like Oliveira, Venâncio was a pugilist of the famous and polemical manager Don King. Last year he invited the youngster for a breakfast and told his history with the businessman. Ratinho learnt the lessons and talks with his wife and PR Juliana Casellatto as the couple take decisions based on what was said while he had bread and coffee with his idol.
 
Fucs points that while he was with Don King Venâncio "was a boy no more?. The commentator believes that if the partnership were made earlier it could get more profits. "However I always had the feeling that his career could be different if he had on his side a manager more interested and well-connected when he was younger in his early beginnings?.
 
Sometime after the breakfast Oliveira and Venâncio did a sparring session inside the Oficina Gym in the center of São Paulo. An opportunity for the students of Venâncio to watch his elegant boxing and also showcase Ratinho who owns an aggressive style but he is polishing his tools with time.
 
His pupil and constant partner is Wagner Silva with who he appears in video classes. The 35 years old man says that everything he knows about sweet science came from his mentor: "attitude, performance, discipline and focus when in a fight. He is extremely rigorous with the physical and technical aspects?.
 
However for Silva the big lesson wasn?t jabs or stance but humility to "treat with equality the professional and the amauter athlete? helping in his needs as also the one that looks for leisure and comes timid in the gym and with the sport expels his feelings, make friends and lose the shyness.
 
The regulars pay attention to Venâncio training methods they behave like judokas in a dojo by the education and respect they demonstrate. A behavior reproduced from the tattooed MMA fighter or the businessman who just took out the suit. The authority of the master rises in a natural way.
 
In October of last year he had a farewell match in a martial arts event which was not made by boxing people - his fame in Brazil crossed to other styles. He came back to the rings after 5 years away to say "goodbye? and defeated the respectable Ruy da Glória. The match was very praised and left people expecting his return.
 
Venâncio is like the ancient kings. Few know his history as also his deserved crown didn?t came but he is recognized by his peers and this is a pride bigger than empty belts and momentary applauses. Primus inter pares.
Crédito da foto: "Acervo Sidnei Dal Rovere"
Imagem: @CowboySL