Félix, um dos grandes heróis do Brasil na Copa de 1970

Félix, um dos grandes heróis do Brasil na Copa de 1970

“Pai, por que me chamam de ‘filha do frangueiro’ lá no ‘culégio’, pai?”.

Curioso, mas nas pronúncias regionais do Brasil, o carioca fala “culégio”, e não colégio.

Mas o importante foi a pergunta da garotinha Lígia, então com sete anos, filha caçula do saudoso goleiro Félix, ao telefone, conversando com o pai concentrado em Guanajuato em meio à Copa do México, em 1970.

Félix, Dona Marlene e as filhas Lígia e Patricia

Marlene (falecida em 2017), a esposa, ligou lá para o marido usando o telefone da vizinha de apartamento em Laranjeiras-RJ, e se falaram por um tempo.

Mas com a garotinha Lígia (hoje ela tem dois filhos e um neto) cutucando a mãe porque ela queria fazer ao pai a tal pergunta que tanto a incomodava e a intrigava todo dia ao voltar do “culégio”.

Félix se casou com Dona Marlene em 1960

Félix então ouviu a pergunta da filha, pensou um pouquinho, não se abalou e respondeu que, “quando mocinho, filha, eu trabalhei na padaria do Seo Furriel lá na Mooca e minha função era cuidar do forno, assar, embalar e entregar os frangos assados para os fregueses que sempre faziam grandes filas na calçada”, disfarçou.

Aliviada, Lígia ouviu, mandou beijos para o pai, devolveu o telefone preto grandão para a mãe e a vida seguiu com a seleção brasileira cada vez melhor na Copa de 70.

   

A família de Félix torcendo para o Brasil duranta a Copa de 70

Foram seis vitórias implacáveis e um dia antes da final, contra a Itália, ele pediu e recebeu do jornalista Oldemário Touguinhó (1934 – 2003) os números de telefone que lhe dariam acesso à Embratel no Rio e à consequente conexão com seu apartamento alugado e sem telefone, algo raro e caro à época.

Mas ele tinha o número da vizinha, Neusa.

E o que fez, pensou e arquitetou Félix, desde que ouviu a pergunta “cruel” da tão ingênua filhinha?

Escreveu os números na parte de dentro de sua sunga branca ou da “saqueira” que os jogadores usavam antigamente, ficando sempre aparente a faixa branca separando o calção da camisa.

No Botafogo de Garrincha isso sempre foi muito marcante e até virou lenda.

Aí a bola rolou com o Brasil metendo 4 a 1 na Itália.

Foi uma festa só!

Os amorosos mexicanos invadiram o Estádio Azteca e praticamente despiram nosso time de Carlos Alberto Torres até Rivellino.

Quase todo mundo “pelado”, a gente vê sempre nas reprises da Copa de 70!

Rivellino e Pelé comemoram o tri no gramado do Estádio Azteca

E aí, cadê o Félix?

Sim, na festa, naquela bagunça toda, o Félix... sumiu!

É que nos últimos minutos do jogo, já 4 a 1, lá do gol, ele tinha um olho na bola e outro na porta de acesso aos escritórios do estádio.

O juiz apitou, 4 a 1 na cabeça e ele se mandou do seu gol direto para aquela porta, ganhou o corredor e entrou gritando “teléfono”, “teléfono”, “teléfono”...

Félix, à direita, um bom tempo após o apito final do alemão Rudi Glöckner

Prontamente o atenderam, ele “colou” os números da “saqueira” do seu uniforme, a Embratel atendeu no Rio, transferiu a ligação “press collect call” para a vizinha da família Venerando e Dona Neusa foi chamar a esposa Marlene e a filha do goleiro herói, com ele ficando uns 50 segundos ouvindo os fogos do bairro das Laranjeiras, o que, claro, ocorria em todo o Brasil.

E quando a esposa falou “alô”, Félix respondeu: “Meu bem, primeiro a Lígia, primeiro a Lígia”.

E já com a menina ao telefone, Félix berrou como nunca na vida: “Filha, diga amanhã lá no colégio para seus amiguinhos e amiguinhas que seu pai não é frangueiro, mas que seu pai é campeãoooooooo do mundooooooooo...”, gritou, chorando e repetindo várias vezes.

Félix com sua filha Patricia, logo que voltou do México, em 1970

Repetiu, repetiu e repetiu como em milhares de vezes infelizes e cruéis, jornalistas ou não, tanto já repetiram: “O Brasil ganhou a Copa de 70 apesar do Félix”!

Isso doía nele mais que sua morte física doeu e dói em toda sua bela família Venerando.

Em 2015, Milton Neves recebeu Lígia em seu escritório

Moral da história: Barbosa foi crucificado no Brasil por não ter ganho a Copa de 50 e Félix foi crucificado por ter ganho a Copa de 70. País de ingratos!

Milton Neves, Renata Fan, Fábio Sormani, Félix e Ado, no programa "Golaço", da Rede Mulher, em 2005

 

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