Hoje, ouvir jogo pelo rádio é como a moça sonhar que está numa ilha deserta com o Brad Pitt e – no sonho – ela ser a filha da Gretchen. Frustração total.
Imagine que você está ouvindo futebol pelo rádio. Quer saber o tempo de jogo? Quer saber o placar? Então, senta e espera. Primeiro você terá que ouvir o locutor falar do tuíter que está bombando, dos milhares de acessos pelo facebook, da barriga do repórter de campo, de quem comeu quem na novela das nove, etc. É tão desanimador quanto qualquer expressão facial do governador Geraldo Alckmin, o único chuchu em slow motion que se conhece.
Fala-se de tudo durante uma partida de futebol pelo rádio. Às vezes fala-se até sobre o jogo. Em alguns casos, a transmissão da partida é aquele pequeno espaço de tempo entre uma e outra série de anúncios. Perto da quantidade de anúncios que há durante a transmissão de um jogo o Milton Neves não passa de um estagiário do departamento de marketing. Aprendiz de merchandising.
Numa partida transmitida pelo rádio, o futebol só aparece no intervalo comercial.
Se pela televisão as transmissões estão mornas; pelo rádio elas estão abaixo de zero. Não se pode generalizar, eu bem sei. Há exceções. Raras, é bem verdade. O futebol pelo rádio vive de espasmos. Aposto que ninguém do rádio do Rio de Janeiro comentou a respeito do uniforme que o Fluminense utilizou no jogo de ontem contra o Botafogo. Todo laranja, da cabeça aos pés. Parecia um time de garis. O que não estaria longe da verdade porque o time foi um lixo. Também não se ouviu no rádio paulista nenhuma chamada criativa para a perda da invencibilidade do Palmeiras para o Botafogo de Ribeirão Preto. Algo como o Botinha botou no Verdão.
Do Corinthians quase não se sabe o que o rádio falou porque a intelijumência da FPF marcou o jogo para as 21 horas do sábado. Futebol na hora da pizza. O Corinthians ganhou, mas quem venceu mesmo foi a pizza.
Nos tempos do bom rádio, do jogo entre São Paulo e Santos diriam que foi um autêntico clássico San-São já que foi um jogo dali-lá. Houve tantos lances polêmicos, idas e vindas do árbitro, que fez lembrar da chamada de uma antiga novela – sucesso absoluto na época – Roque Santeiro: aquele que foi sem nunca ter sido.
Mas no rádio quase não há tempo para criatividade. Em outros tempos o rádio seria muito mais prosa do que verso. Estão matando um dos nossos mais sinceros e fieis amigos. Antigamente, a expressão deu no rádio era sinônimo de confiança. Hoje a expressão deu no rádio é sinônimo de pena. Dá pena do rádio. Dá pena passar pelo dial e ouvir uma séria infinita de “sai, capeta!”
Sim, eu sei que a internet está aí com sua rapidez. Nada irá tomar seu espaço. Mas há de se convir que não dá pra se ouvir a internet no carro, nem enquanto se toma banho. O rádio é a internet que alguém nos lê. É como o pai, a mãe, avô ou avó que nos lia a história do livro mesmo quando já estávamos alfabetizados. Era dali que vinha a nossa fantasia e, depois, a criatividade.
Matar o rádio, como estão matando, é como matar a história e a fantasia de onde vieram Chico Anysio, José Vasconcellos, Golias, Manoel de Nóbrega, Joseval Peixoto, Osmar Santos, Galvão Bueno, Milton Neves, Luciano do Valle e Fausto Silva. Isso só pra ficar no terreno do humor e do futebol.
Já imaginou que delícia seria ouvir a Fátima Bernardes no rádio fazendo comercial? Que fantasia maravilhosa seria ouvi-la dizer que está feliz com a linguiça que tem em casa, mas que isso não a impede de experimentar outra?
E o eterno rei Roberto Carlos, então? Imagine ouvir a voz do Roberto no rádio fazendo comercial da Friboi, tendo ao fundo a melodia da canção “O Portão”: eu voltei, agora pra ficar... Dá pra se imaginar a paródia que surgiria: eu cheguei em frente ao curral / o meu boi me mugiu sorrindo...
Mas isso só o rádio seria capaz desde que não o deixem se afogar nem nas ondas médias nem nas de frequência modulada.
E-mail da coluna: magajr04@hotmail.com
Foto: Portal TT
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