Almejar desesperadamente por algo é presságio de tragédia, qual?

Almejar desesperadamente por algo é presságio de tragédia, qual?

Almejar desesperadamente por algo é presságio de tragédia, qual? Justamente o não desfrute quando o sujeito ou objeto de espera faz-se disponível, ao alcance como a amada que se despe. A ansiedade extrapolada gera uma informação confusa ao nosso cérebro, ou seja, o processo de busca incessante (seja porque me proporcionará prazer, alegria, paz, etc.) gera uma sensação constante de inquietação, perturbação, irritação; esse estado mental entre o desejo e a consumação produz um movimento dúbio, caduco. O cérebro não consegue desassociar o produto final aprazível da espera pelo mesmo que causou angústia e dor. A “brochada” na primeira experiência sexual é um elementar exemplo. Quantos jovens no auge hormonal não falharam por desejarem demasiadamente aquele momento (perder a virgindade). Com o passar do tempo, ah sim, esse velho sempre atrasado, percebem a contumaz nulidade dessas angústias joviais.

Essa dicotomia – proximidade e aflição – é fecunda na história do Futebol. O caso mais recente reside em forma de silêncio empoeirado varrido pelo zelador Mr. Stuart, no vestiário secular (130 anos) de Anfield. O Liverpool foi (a meu ver ainda o é, pelo menos no quesito importância histórica) o time Inglês mais vitorioso e tradicional, disparadamente, até meados da década de 90 do século passado. Entretanto, os tempos difíceis foram implacáveis aos reds, os problemas se sucediam: bancarrota administrativa e financeira culminando na venda ao proprietário americano, John Henry, que teve um período inicial onde flertou ora com a inércia, ora com uma austeridade que impede a competitividade na bolha inflacionária onde vive o futebol; tendência a recorrer ao simbolismo do neo-sebastianismo envolto nos defasados heróis de guerra, como Kenny Dalglish; a ascensão de um tal Sir Alex Ferguson que instaurou um era de domínio do United (só não foi absoluto pelo brilhantismo do anos dourados do maior Arsenal de todos os tempos – Pires, Henry, Vieira, Bergkamp, Ashley Cole, etc. - e o enriquecimento abrupto do Chelsea, um time até então tradicional, mas com um histórico de títulos esporádicos em sua vida pré-Abramovich); a ascensão de clubes como o Manchester City, Tottenham e até o primo pobre, Everton, saindo de um limbo insípido causado pela sombra colossal de seu vizinho rival.

Com a lendária exceção da Champions League de 2005, ninguém esquecerá a final em Istambul, o Liverpool está na seca há 24 anos de títulos importantes. Na era moderna (premier league) do campeonato inglês, a trupe vermelha da cidade portuária nunca levantou a taça. Se não apequenou-se, ao certo perdeu espaço no cenário internacional (os garotos do mundo globalizado e pós-moderno são muito mais aficionados pelo Chelsea, Arsenal e os dois Manchester`s do que pelo Liverpool).

Todos que acompanham o futebol europeu com interesse e atenção necessárias, esperavam uma temporada digna do Liverpool, afinal o elenco contava com bons valores jovens como Coutinho, Sterling, Henderson e Sturridge, acompanhado do Homem que personifica o Liverpool, Steven Gerrard, e mais algumas contratações pontuais como a de Mignolet e Sakho, todos sob a batuta do excepcional Brandon Rodgers, gerando um caldeirão que prometia um sabor final bem interessante. Talvez esse fosse o destino da equipe, brigar por uma vaga na Champions (G-4) do ano seguinte, mas um uruguaio marrento e excelente alçou os vermelhos à um patamar inesperado, um time promissor passou a jogar um futebol extremamente agradável, ousado e eficiente. Hoje, a poucas rodadas do fim, a chance de título é real, e mais, ninguém de bom senso deixa de admitir o merecimento caso assim ocorra. Mas a longa espera pelo reviver dos tempos gloriosos causa uma propensão ao pânico, o título passa a ser encarado como uma miragem imerecida, circunstancial, prestes a evaporar como quem acorda no apogeu de um sonho deleitante. A auto piedade é aflorada pelo ceticismo oriundo do trauma recorrente, engendrando até sensações místicas do tipo “não temos sorte, na hora do vamos ver tudo dá errado, algo conspirará contra nós”. O medo e não uma imposição celestial predestinada é o genuíno responsável por essas previsões catastróficas, em muitos os casos, se confirmarem de maneira implacável e lancinante.

Mesmo gigantes da estatura do liverpool sofrem com essa insegurança imolante. O decisivo jogo contra o Chelsea focado no duelo contra os colchoneros, exemplificou essa agonia. A tensão exalava dos jogadores e torcedores, até o formidável e veterano Stevie G, talvez pela iminência de conquistar sua tão desejada premier league depois de anos de peleja e brilho solitário pelos companheiros medíocres que o circundavam, foi contaminado por essa tensão superlativa e acabou sendo um dos responsáveis diretos pela derrota, a pixotada, indigna do craque que é, diante Demba Ba ficará na sua memória por todo o sempre, especialmente se, por esse jogo, o título não for consumado. Hoje o título está em aberto, talvez pela tabela o Manchester City leve uma vantagem, o duelo contra o Everton na casa do adversário, pelo grau de dificuldade elevado, será decisivo.

Ao Liverpool cabe mais algumas semanas de espera, para enfim refletir sobre o que é mais poderoso, o arrepiante “You`ll never walk alone” (um doping moral ímpar) entoado a plenos pulmões em todas as pelejas, ou a noite anterior ao confronto ante os blues, onde e quando todos os espectros que habitam a psique de um time à dois passos do paraíso, voltaram a assombrar e perturbar o sono dos jogadores dos Reds, sensação que outros garotos de liverpool já perpetuaram ao som de “Yesterday”, quando em determinado momento Paul McCartney disse: “De repente, não sou metade do homem que costumava ser, existe uma sombra pairando sobre mim”. É, caros meninos, ouvir os mais velhos, quando os mais velhos são conterrâneos e da estirpe de Paul, antecipa e desmistifica os dilemas, em forma de arrepios, que os outros já sentiram pasmos.

Foto: UOL

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