História de um torcedor do Náutico transtornado após a “Batalha dos Aflitos”, em 2005. Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem/via UOL

História de um torcedor do Náutico transtornado após a “Batalha dos Aflitos”, em 2005. Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem/via UOL

Escrevo este texto em Recife, a capital dos pernambucanos, de onde narrei o empate em 1 a 1, entre Náutico e ABC, pela série C do Campeonato Brasileiro. Enquanto preparava meus alfarrábios para a transmissão, procurava com os colegas no Estádio dos Aflitos lembranças sobre a fatídica derrota para o Grêmio, em 2005, no jogo conhecido como “Batalha dos Aflitos”. Como toda resenha traz grandes histórias, aqui divido uma delas com os amigos do Terceiro Tempo.

Jorge é “timbu” adoentado de tanta paixão; do alto dos seus 52 anos, vivera grandes triunfos e derrotas desanimadoras, principalmente nos dias atuais. Nenhum outro cotejo, no entanto, era tão esperado quanto aquele de 26 de novembro, 14 anos atrás. Era a rodada final da Série B naquele ano e o Náutico estava a um ponto do rival Santa Cruz (6), que era o segundo colocado. Apenas os dois melhores voltariam à elite do Brasileirão naquele ano e o Grêmio, líder, com nove pontos, era o adversário do alvirrubro. A chance de retornar à “Primeira Divisão” após 11 anos era vencer o tricolor gaúcho. Tinha que ser naquele sábado.

A “capital dos naufrágios” vivia uma tarde impensável nos dias atuais, já que Náutico e Santa Cruz jogavam no mesmo dia e horário em seus estádios. O cobra-coral pegava a Portuguesa paulista, com chances de acesso, olhando de soslaio o duelo dos Aflitos, porque uma derrota gremista dava-lhe o título da “Segundona”. Cidade agitada e um clima de Copa Libertadores no bairro do Espinheiro, região nobre. E Jorge lá, “recepcionando” dirigentes e delegação gremista com palavras impublicáveis, daquelas que não dizemos nem em pensamento; em tempo, jamais reproduzira comportamento tão hostil, porém, o momento urgia participação heroica de todos.

Bola rolando, radinho ligado, Jorge aflito comia salgadinhos, unhas e dedos para contornar a ansiedade. O cronômetro marcava 34 minutos do segundo tempo e o árbitro Djalma Beltrami marcou pênalti para o Náutico após Nunes supostamente botar a mão na bola. Confusão total em campo, com o autor do penal, Domingos e Nunes expulsos. Palpitações faziam quase explodir o peito do nosso herói durante os 25 minutos entre a marcação e a cobrança. Pensava: “Eles agora com sete jogadores, um a zero para nós, está acabado, voltamos, meu Deus”. No Arruda, torcedores do Santa Cruz comemoravam o título antecipadamente, já que bateram a Lusa por 2 a 1. Teve volta olímpica e troféu improvisado.

Em campo, o caos estabelecido com o Grêmio pensando em melar o jogo, tirando o time de campo. Idas e vindas, Jorge acusava situação de quase enfarto com suador intenso e palidez completa. Sentava e levantava como um cuco. Acalmados os ânimos em campo, Ademar, lateral de ofício, foi o escolhido para a batida. Galato defendeu, armou um contra-ataque e Anderson, contra atônitos zagueiros e torcedores timbus, abria o placar. Em 71 segundos, o êxtase deu lugar à decepção incrédula, logo após aquele gol, o mundo de Jorge era dragado para um buraco negro, vazio, gelado, pungente. O apito final decretou a sentença de morte: o Náutico permanece na Série B e o Grêmio, perto da falência econômica, subira.

Jorge pediu um táxi para voltar a Boa Viagem, onde morava; decerto nem percebeu como entrou no carro. Durante o trajeto de 10 quilômetros, uma voz lhe martelava a cabeça de súbito, fechando as portas da mente para qualquer outro pensamento. Lembra-se apenas da preocupação do condutor, atônito com seu passageiro durante a viagem, perguntando: “Senhor, quer que chame um médico? Estás passando mal”? Teria eu feito o mesmo ao ver meu passageiro gritando durante 25 minutos: “Não é possível! Não é possível”. De fato, não era caso para cardiologista, foi sim para psicanalista.

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