“Escrituras e Contos Santos” foi escrito por Uri Blankfeld, brasileiro que vive em Israel

“Escrituras e Contos Santos” foi escrito por Uri Blankfeld, brasileiro que vive em Israel

Confira trechos de destaque do livro “Escrituras e Contos Santos”, de Uri Blankfeld:

"Lembro do dia 29 de outubro de 1967, aos 8 anos, quando, junto com meu pai, nas arquibancadas de cimento do Parque Antárctica”, assisti a um jogo entre Palmeiras e Santos.

 Foi o primeiro jogo de futebol que assisti na minha vida.

 Daquele momento em diante passei a gostar de futebol.

 No final dos anos sessenta, eu lá com meus 9, 10 anos, assistia na televisão aos fantásticos eventos daqueles tempos. As viagens (e retornos) das Apolos para a lua, as lutas de um monstro chamado Cassius Clay, acompanhava as repercussões da vitória de Israel no Oriente Médio, seguia as notícias sobre o primeiro transplante do coração...

 E, me habituei a uma das práticas mais incríveis que um ser humano poderia experimentar: Ouvir rádio!

 A nossa casa, na Rua Dr. Oliveira Pinto, 73, um sobrado padrão do bairro, tinha na frente uma área cujo piso era decorado com cacos de cerâmica vermelha. Lá, logo em frente ao portão de ferro, era onde meu pai estacionava o carro. Cabia o carro e mais meio metro de cada lado. E mais uns tres metros até o portão. Quando o carro não estava estacionado, aquela área se tornava um maravilhoso campo de futebol. Inúmeras batalhas travei com meu vizinho Milton, com os inesquecíveis jogos de “chute, rebatida e drible”. A área parecia enorme. Chutávamos com toda a força do mundo. Um gol era o portão. O outro, a parede com um janelão no fundo.

Depois, casado, ia com frequencia para a casa e passava pelo quintal da frente. Tão pequeno... tão estreito... mas de tantos jogos sensacionais da minha maravilhosa infância com a inesquecível, indispensável e perfeita bola “Dente de Leite”.

Com meu pai aprendi um monte de filosofias futebolísticas. (na foto meu pai, Elias Blankfeld, Letonia -Riga, 1937)  

Carrego todas até hoje, pois, evidentemente, filosofia perdura e nos dá prumos para a vida.

Com amigos da escola íamos ao Pacaembú em jogos das quartas à noite. No intervalo, a Rádio Bandeirantes promovia enquete perguntando aos torcedores no estádio questões futebolísticas. E, vejam só, o prêmio para os acertadores seria A BOLA DO JOGO!!!

E assim, inacreditavelmente, nosso time “A”, nos recreios, jogava futebol com a bola dos jogos do Pacaembu!

Nosso time, chamado de time “A”, era bárbaro! Com 11 anos nos sentíamos meio adultos. Todo dia com jogos nos recreios. Jogos nas competições internas contra outras classes. Jogos nas Macabiadas Escolares. O time era composto por Tuca (o único não santista – São Paulino), Moisés e Rafi na defesa e Uri e Jacquinho no ataque.

Jogávamos como o Santos! Sentíamos como jogadores profissionais. Amávamos jogar e nos amávamos. Dos 11 aos 15 anos, frenéticamente, aproveitávamos cada folga na escola para jogar futebol. Um futebol maravilhoso. Moisés eficiente na defesa, raçudo e temperamental. Rafi defendendo e armando o time. Dono de um futebol cerebral. Jacquinho, uma espécie de coringa. Ajudava a romper as defesas adversárias pelo seu tamanho (pequeno) e rapidez. E eu, forte, dono de chute forte, velocidade e altura que me fizeram um artilheiro destacado.

Joguei na Hebraica, no SPAC, no Macabi, na praia, amistosos, jogos oficiais, peladas. Ele, o Moisa, com certeza me ajudou muito para fazer os muito mais de mil gols que fiz.

Um dos momentos marcantes da minha vida e talvez ciente de que aquele momento seria um divisor de águas no futebol, foi em 1974 quando assisti a um jogo que não queria ver. Vi um momento que não queria ter jamais visto. Foi numa certa noite, um jogo na Vila Belmiro, Santos contra a Ponte Preta. O jogo é interrompido e Pelé se ajoelha no meio de campo com os braços abertos. Fim de uma era.

Durante o colegial continuei jogando, aos sábados e domingos na Hebraica e no SPAC (São Paulo Athletic Club).

Na Hebraica fiz parte do time infanto juvenil.

Certa vez, surpreendentemente, o técnico me chamou após um treino e disse que faltaria um jogador no time juvenil para competir no Campeonato Paulista e que devido ao meu porte, avantajado para a idade, eu estaria sendo convocado para compor o time.

Senti mais receio do que empolgação.

Participei de treinos até que fui relacionado para um jogo oficial. Seria numa terça feira à noite contra a Portuguesa de Desportos.

Chamei meu pai para assistir. Ele que sempre gostou de futebol e tinha pernas fortes, musculosas e com ossos duros, resultado de sua juventude como atleta e futebolista, me prestigiou.

Comecei o jogo correndo de um lado para o outro, em meio aos “grandões” e “semiprofissionais ...

E eis que recebi uma bola pelo lado direito, avancei (como sempre fiz) evitando um defensor que me acossava, e desferi um chute de peito do pé. A bola partiu alta. O goleiro foi, mas não pegou. Meu pai, sentado lá no alto das arquibancadas da Hebraica assistiu meu gol. Uma lembrança inesquecível.

O jogo terminou 4 a 1 para nós.

Durante o período que treinei na Hebraica, com treinos todas as segundas e quartas à noite, a meta era a participação na Macabíada Sul Americana para depois avançarmos até a Macabíada Mundial em Israel.

Meu pai me desistimulou a prosseguir nessa jornada. Como justificativa alegou o baixo nível e perda de tempo que envolvia esse mundo do futebol, além de que, acabei passando uma temporada nos Estados Unidos em um programa de intercâmbio.

Simplesmente concordei com ele e a verdade é que nunca senti nenhum remorso ou arrependimento por não ter me envolvido mais com a prática do futebol em si.

Mais tarde, na faculdade, pratiquei futebol mais competitivo.

Ao começarem as aulas na Universidade Mackenzie, fui me aproximando das pessoas que poderiam me encaminhar para o futebol de lá. Falava com alunos novos e veteranos. Comecei a frequentar a Associação Atlética. Fui me enfronhando nos assuntos relativos ao esporte universitário. De um certo modo, fantasiava conforme sempre havia assistido nos filmes holywoodianos, que a vida universitária envolvia necessariamente a vida esportiva.

E assim, inevitavelmente, entrei para o time de futebol da faculdade.

Em seguida, com persistência e um lobby, me tornei presidente da Associação Atlética.

Lá, consegui um feito memorável. Utilizando meu talento na área da comunicação, entrei em contato com a fabricante de material esportivo “Adidas” e através de muitas trocas de “fax” (na época ainda não existia e-mail) conseguimos o fornecimento de uniformes para as equipes de futebol, handball, basquete e volley. Tudo de graça, tudo lindo!

O time de futebol era bom. Nada de excepcional, mas era bom. Eu, como sempre, era um dos centroavantes.

Alguém, através de contatos, trouxe para exercer o cargo de técnico da equipe de futebol um experiente e dedicado treinador, Edson Pimenta. Ele, muitos anos depois, se destacaria como treinador e assistente de diversos times de futebol no Brasil.

Participamos de muitos campeonatos entre universidades. Viajei e joguei em diversas cidades.

E não sei quando nem como, optei por escrever crônicas tendo como temática a vertente esportiva. Mais focadamente de futebol. Enfatizando o Santos.

O estilo que escolhi foi de contar “causos” envolvendo o futebol sem entrar nos meandros do jogo, da prática. Afinal, notadamente, percebemos que a vida do brasileiro, invariavelmente, tem o componente do futebol como condimento.

Começou naquele período um movimento de reconstrução, um movimento político pleiteando novos caminhos na política do Santos almejando que através uma interveção estrutural pudesse refletir no futebol, conquistando, ou melhor, resgatando o papel de protagonista que o Santos sempre representou.

Dessa forma, o movimento se constituiu na prática justamente com o nome de “Resgate Santista”.

O trabalho de comunicação nas redes sociais se dava através de uma página em perceptível crescimento chamada “Santista Roxo”.

Administrada por profissionais e contando com o envolvimento de um grande e importante número de colaboradores, a página no Facebook se tornou porta voz do movimento e emblema de uma proposta séria, revolucionária e atraente que estaria por vir.

Como de costume, de forma comunicativa e convincente, entrei em contato com os idealizadores da página e propus escrever com constância, oferecendo dessa forma, dentro da proposta total conceitual da página, um cantinho literário, equidistante do dia a dia do campo de futebol e da política futebolística, mas não menos, porisso, afastado dos prazeres corriqueiros que o futebol oferece.

Aceitaram e assim publiquei minha primeira crônica na internet.

O espaço batizei de “Escrituras e Contos Santos”.

E assim fui criando um acêrvo de textos, contos mundanos sobre a vida. Com um ligeiro aroma de futebol. Algo que qualquer um, independentemente de gostar ou não de futebol, pudesse apreciar.

Minha produção de textos aumentava. Antes, o que era “hobby” passou a ser responsabilidade, afinal, eu passei a ser sócio e membro do “Resgate Santista”. Na minha coluna inseriram uma minúscula apresentação com uma foto. Certa tarde, caminhando entre as arquibancadas do estádio do Pacaembú, alguém, longe, lá no alto, chama: “Uri Blankfeld”. Assim mesmo, com nome e sobrenome! Era um leitor que havia me reconhecido!

Uma ou duas vezes por mes o grupo político se reunia. Numa das reuniões apresentaram um senhor que vez ou outra eu cruzava entre os atuantes políticos. Era o nome que iria representar a chapa se candidatando à presidência. Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro. Era conhecido por LAOR.

Escutar seus discursos era um deleite. O homem falava muito bem. Extraordinariamente bem articulado e com um currículo invejável.

Fiz questão de cumprimentá-lo como que deixando marcado o meu território. Ele me deu seu cartão de visitas.

A época das eleições começava a se aproximar. Percebi que havia uma movimentação no grupo para formalizar a chapa que concorreria encabeçada pelo LAOR.

Em uma ocasião, vi um dos líderes do grupo correndo pra lá e pra cá com papel e caneta na mão. Fiz o possível para me aproximar do sujeito. E ele que sempre também me chamava pelo nome e sobrenome, foi direto: “você entra como conselheiro?”.

O que me lembro daquele momento foi que pensei em meu pai. Eu? Conselheiro? Futebol? Santos???

Em uma fração de segundo respondi. E pensei: “Vai!!!! Coisa única na vida. Depois administre as consequências”.

As reuniões passaram a ser mais sérias, no meio da semana, no escritório de um dos organizadores. Ficava no bairro do Jabaquara. Longe para mim, mas prático para quem iria de Santos, além de ser perto do metrô.

Muito cigarro, muitas rodinhas de discussão e assim, por diversas noites, eu me via lá, no meio daquela estranha revolução dos bichos, discutindo-se a retirada do poder de Marcelo Teixeira.

Durante aqueles anos nos quais tramavam-se profundas mudanças políticas ocorreu um fenômeno.

Um menino das categorias de base do Santos começou a despontar e, integrado ao time principal levou novamente o time às manchetes.

Um moleque atrevido, franzino, que não respeitava nenhum zagueiro. Um tal de Neymar.

O nosso grupo era experiente. Luis Álvaro havia se cercado de administradores conceituados de diversas grandes empresas. Era um grupo exatamente oposto ao estigma que conhecíamos acêrca da gente ligada ao futebol.

Luis Álvaro havia chegado para as esperadas eleições no Santos. Demorou e após muitos cumprimentos se posicionou logo depois da entrada, depois das catracas que levariam ao saguão principal onde ocorriam as eleições e onde ficavam as urnas. Era o fim de um corredor. Assim, todos, teriam que obrigatoriamente passar pelo LAOR.

Logo me aproximei dele. Cumprimentei, fiz meus habituais comentários com toque de humor, e dali não sai mais.

Fiquei por horas ao lado dele e criei uma estratégia. Cada um que entrava, eleitor de Marcelo Teixeira ou não, homem ou mulher, jovem ou velho eu parava e apresentava educadamente “Oi, cumprimente o próximo presidente do Santos, Luís Álvaro”. Foram centenas e centenas de cumprimentos. Durante esse ritual, comentei com o Luis Álvaro, perto de seu ouvido: “Te prometo que depois te compro um balde de álcool gel”.

Sou convicto que aquela ação, do cumprimento pessoal, com a figura bonachona e o olhar doce de Luis Álvaro foi o carimbo para a sua eleição.

E eu, um belo dia, recebí um email vindo da mesa da Presidencia do Conselho me convocando, e convidando para reunião do Conselho Deliberativo do Santos Futebol Clube.

Certo dia, tive uma das mais fantásticas ideias ligadas ao futebol.

Criei um produto que denominei “To Com Meu Time”.

O nome, escolhi, justamente para poder, eventualmente, ser usado por qualquer torcedor, de qualquer time.

Tratava-se de inserir o rosto de um torcedor, numa montagem, junto com um time de futebol, numa daquelas fotos clássicas dos jogadores posados.

Foram alguns anos nos quais o Santos viveu um ápice. Felizmente foi o período em que lá estive, dentro. Literalmente dentro.

Em 2012 o Santos iria comemorar o centenário. Recebi uma carta da editora que estava produzindo um espetacular livro sobre os 100 anos. Com fotos, ilustrações, depoimentos e histórias de diversos santistas proeminentes. Na carta me convidavam para participar enviando um texto de minha autoria. Não perdi tempo! Mandei tudo direitinho, conforme me orientaram. Me mandaram uma carta para assinar autorizando a publicação.

O conto “O Dia Em Que Seu Firmino Chorou” faz parte do grande livro do Centenário do Santos. Que mais eu poderia almejar?

No final do ano, recebi um memorando da Secretaria do Conselho convidado a participar do “tradicional jogo de futebol e churrasco” de encerramento do ano, entre conselheiros e amigos.

Como sempre, não perdi tempo, pois não pretendia ficar fora dessa oportunidade de maneira nenhuma.

Cada conselheiro poderia levar um familiar/amigo.

O Marcel iria comigo.

Senti um alívio quando me confirmaram a minha inscrição.

Acordamos, eu e o Marcel, juntamos nossos apetrechos de jogo, com toalha e chinelo, chuteiras e viajamos para Santos.

Era um período em que eu me encontrava um pouco fora de forma. Estava empolgado, mas não sabia o que esperar.

Chegando nas imediações do estádio estacionei e caminhamos um pouquinho até a entrada.

Lá, já me sentia à vontade. Cumprimentava diversos companheiros e felizmente, tinha ao meu lado o Marcel.

Nos encaminharam para a sala das entrevistas coletivas. Aquela, que sempre vemos na televisão após os jogos. Lá, começaram a distrubuir uniformes. Tudo oficial!!! Camisa, calção e meiões. Havia fardamento do time “listado” e do time “branco”. Recebi o listado.

Em seguida, nos indicaram para descer aos vestiários.

Entrei e comecei a me trocar dentro do vestiário do Santos!!!!

Usei o armário dos jogadores, vivenciei os momentos que vivem os jogadores profissionais... aqueles mesmos, que escutava no rádio, que via na televisão.

Me troquei, silenciosamente.

Senti no ar que, cada um que lá estava, por mais que quisesse manter seu ar de indiferença, inegavelmente sabia que vivenciava um sonho. Um momento único. Algo que nos tornávamos únicos entre milhões e milhões de torcedores. No Brasil e no mundo!

Aos poucos fomos saindo em direção ao gramado.

Ao subir e pisar na grama verde, e ver as arquibancadas por outro ângulo, pensei no privilégio que conquistei, insistindo numa jornada impensável até pouco tempo atrás.

Os organizadores tiveram a criatividade de colocar ao redor do campo, há cada 30 metros, potentes alto falantes, que ficaram a tarde toda reproduzindo gritos e cânticos da torcida, mantendo uma simulação em forma de sonoplastia de como seria a ambientação de um jogo.

Eu e o Marcel pegamos a bola e fiquamos brincando num dos gols. Brincando e aquecendo. Junto as traves que já foram defendidas por Gilmar, por Cejas... Rodolfo Rodrigues!!!!

Chutávamos para o gol, assim como chutaram Edú, Pepe, Giovani... Pelé!!!!!!!!!!

Rapidamente o jogo começou.

Me posicionei, como sempre fiz, do meio de campo para a frente.

Estava correndo ou tentando correr com a sensação que poderia mais, não conseguia parar a bola, olhar, tocar, criar jogadas...

No nosso time jogava um rapaz que não identifiquei, mas falaram que se tratava de ex jogador da categoria de base, talvez juvenil. Realmente ele jogava bem. Conduzia com facilidade. Passava bem...

E eu... na minha velocidade, dentro das minhas condições, fazia cara de sério. Afinal, EU ERA O URI! CABECINHA DE OURO DO TIME “A”!!!!!

Houve uma pausa, trocaram um time.

No segundo jogo, mais cansado, mais ofegante, mas percebendo que havia mais espaço.

Um cara recebeu a bola, driblou dois defensores e eu, como no passado, me afastei do marcador. Recebi a bola na entrada da área. Parei, ajeitei com o pé esquerdo e, até com uma certa calma, desloquei o goleiro, acertando o canto.

Meu gol em pleno estádio Urbano Caldeira. No campo da “Vila Mais Famosa do Mundo”. Tive saúde para fazer palhaçada, correndo até o Marcel que filmou e fotografou minha comemoração.

Eu, aos 54 anos de idade, numa tarde de sábado, deixei meu tento anotado nas redes da Vila. Repetirei esse mantra até o fim da minha vida! EU FIZ GOL NA VILA BELMIRO.

Eu compartilhava meu dia a dia, por telefone, com um grande amigo, Fernando Loreto. Nas nossas conversas dividíamos nossos pensamentos, contávamos nossos casos envolvendo trabalho, coisas do dia a dia, lembranças, piadas e não deixávamos de analisar as notícias do Brasil e do mundo.

Numa das conversas, Fernando me questionou: “E quando você vai conhecer o Pelé?”.

Expliquei que embora eu estivesse “lá dentro”, Pelé tinha um relacionamento com o Santos muito profissional. Hoje em dia sua imagem não era e nem poderia estar atrelada a nada, assim, “gratuitamente”.

Mas, assim que desliguei o telefone me veio à cabeça uma ideia que tive há algum tempo atrás.

Essa, de todas as ideias que tive, foi extraordinariamente simples e perfeita! E era hora de colocá-la em prática!

Era, e ainda é, comum no futebol, fazer referências ou homenagens em camisas de futebol.

Alguns anos antes, era possível escutar notícias de que o Vasco da Gama pretendia retirar, “aposentar”, a camisa número 10 para preservá-la como lembrança do ídolo vascaíno Roberto “Dinamite”. O número 11 também foi cogitado ser “guardado” em honra do Romário...

A minha ideia baseava no argumento de não fazer sentido sacar um número, mas, muito pelo contrário, valorizá-lo. No caso do Santos, com uma coroa! Uma coroa a ser estampada no número 10. Fazendo referência ao “eterno dono da camisa 10”. Uma camisa verdadeiramente “real”!

Não perdi tempo e tratei de escrever uma bela carta, com meus argumentos que envolviam, além da homenagem eterna, a possibilidade de agregar venda – seria a única camisa do mundo com uma homenagem ao maior atléta do século - e também incluí justificativas e argumentos “jurídicos”, eximindo o Santos de qualquer vínculo com a marca “Pelé”. Seria uma camisa “coroada”, que de forma alguma teria implicação direta com “interesses” de qualquer parte. Só traria benefícios para o clube. Inclusive, ainda, me eximi de qualquer interesse (financeiro) pela ideia dada ou sua utilização.

Encaminhei a carta e tratei de confirmar com minhas amigas, secretárias do Conselho, de que a carta chegara ao destino.

Depois de muitos dias de inquietude embora dentro de mim eu estivesse confiante de um resultado positivo, recebi, por Carta Registrada, enviada para minha residência a resposta.

Foi, talvez, a carta mais importante que recebi na minha vida.

Se eu tivesse apenas a carta, já teria me dado, e muito, por satisfeito.

Mas, algum tempo depois, recebi, como de costume, o convite para reunião do Conselho Deliberativo. Na pauta figuravam “outros assuntos”. E dentre esses “assuntos”, a “proposta do Conselheiro Uri Zvi Blankfeld para inserção de coroa no número 10”.

Fui para aquela reunião “de praxe” na quinta feira, à noite. “De praxe” para os outros. Para mim, um momento único, maravilhoso, escutar o Presidente do Conselho, Paulo Schiff, ler a correspondência e comunicar a decisão acatada. Citando meu nome, letra por letra, “Conselheiro Uri Zvi Blankfeld”.

Mas, o destino reservara algo a mais. O destino simplesmente respondeu à pergunta do meu amigo Fernando Loreto, “quando você vai conhecer o Pelé?”.

Numa bela tarde, atendi ao telefone no meu escritório. A moça, do outro lado da linha anunciou que o responsável pelo Departamento de Marketing do Santos queria falar.

A conversa foi meio rápida demais. Não sei se eu que senti dessa forma... As palavras dele foram disparadas de uma vez e eu, tentando demonstrar naturalidade, simplesmente respondi “ok, estou anotando”.

Ele dissera que havia sido programado um evento em homenagem à inclusão da coroa na camisa 10, com a presença do Pelé. E o único dia disponível, já que a agenda dele (do Rei) era muito complicada, seria na sexta feira, às 2 da tarde. E, claro, contavam com a minha presença no evento.

“Ok, estou anotando”.

Porém (sempre existe um porém...), eu tinha passagem marcada para Israel alguns dias antes. Iria visitar minha filha, Ilana, que havia se mudado para Israel pouco tempo antes.

Inacreditavelmente eu respondi, antes de desligar, que eu estava de passagem comprada para o exterior e infelizmente, se o evento fosse mantido na data informada, eu não poderia estar presente.

Como disse, a conversa foi rápida e o homem nem desenvolveu o assunto. Agradeceu e desligou.

Na hora, num estalo, me ocorreu a solução.

Imediatamente liguei para o Departamento de Marketing do Santos, me passaram o responsável. Era o mesmo que havia me ligado.

E, naturalmente, continuei a conversa que havia sido, digamos, momentaneamente interrompida:

“Eu não poderei ir, mas, meu filho, Marcel, irá me representando”.

E assim, de Israel, mandei as coordenadas para meu filho, frisando o horário e pedindo para não atrasar. “Autorizei” faltar na faculdade. Expliquei todos os detalhes. E, em Israel, esperei o desfecho e o relato do Marcel sobre aquele dia.

Em 2015, já totalmente desmotivado e, claro, com sentimento de “missão cumprida”, aproveitei um período de tratamento de saúde para escrever uma carta solicitando meu desligamento do Conselho Deliberativo.

O grupo que fez parte do “Resgate Santista” se pulverisou. Os inteligentes, sérios e capazes, simplesmente se afastaram do futebol. Walter Schalka continuou sua brilhante carreira, sendo hoje considerado um dos maiores CEO do mundo. Pedro Nunes da Conceição que havia sido Diretor de Futebol na gestão de LAOR, hoje segue no seu escritório de advocacia, apenas torcedor, como ele mesmo diz. Eduardo Vassimon, importante membro do Comite de Gestão do S.F.C. se desligou do clube e continuou sua gabaritada carreira como CEO do Itaú.

 

Esta foi a trajetória de um mero torcedor. Um menino, como outro qualquer, que jogava bola na garagem com piso de cacos vermelhos, que se tornou santista e que conseguiu realizar todos os sonhos que torcedor nenhum, seja de qualquer time, de qualquer lugar, pudesse jamais realizar. Torci, participei, ganhei dinheiro...

Talvez, por incrível que pareça, o que me fez focar nos objetivos, tanto das coisas ligadas ao futebol como em outras tantas atividades da minha vida, foi uma frase que eu escutava no rádio em que um locutor de futebol dizia antes de começarem os trabalhos da partida. Era a sua “assinatura”:

“É melhor arriscar coisas grandiosas mesmo expondo-se às derrotas do que formar fila com os pobres de espírito que nem sofrem muito e nem gozam muito porque vivem na penumbra cinzenta dos que não conhecem vitórias e nem derrotas”.

 De toda essa experiência sobraram as lembranças, contadas agora através desses registros. E os contos.

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