Após mais de 40 anos, pela primeira vez um casal paulista vai esquecer o dérbi para torcer juntos; leia até o final. Na foto, veja Gerson, Judite, eu e Cinthia: família unida no dérbi

Após mais de 40 anos, pela primeira vez um casal paulista vai esquecer o dérbi para torcer juntos; leia até o final. Na foto, veja Gerson, Judite, eu e Cinthia: família unida no dérbi

Ele e ela tinham muitas coisas em comum. Nordestinos e retirantes, chegaram a São Paulo nos anos 70 em busca de uma vida melhor, mais livre e próspera. Conheceram-se no banco da escola. Ele, funcionário bolsista; ela, babá com os estudos pagos pelo patrão. Os assuntos eram parecidos: jovem guarda, forró, saudade da terra natal, lembranças, amigos. Tudo em comum, exceto o futebol. Um corintiano e uma palmeirense. Mesmo assim, no jargão de hoje, "deu match".

A rivalidade entre os clubes não era maior que a satisfação do passeio em turma. Fim da aula e do expediente, lá descia a turba pela rua Rio de Janeiro rumo à praça Charles Muller. Afinal, tem jogo no Pacaembu: Corinthians x Palmeiras. Em tempos menos violentos, o futuro casal separava-se na bilheteria, cada um em sua torcida, é claro. Após a peleja, reunião da galera e a galhofa direcionada para quem perdeu, além dos comentários no melhor pós-jogo do mundo: o das ruas.

Ela achava o Leão um "gato", adorava o jeito atribulado de César Maluco e a correria de Leivinha. Já ele falava mais sobre a explosão de Rivelino, a raça de Russo, os gols de Geraldão. Provocações e sorrisos vestidos a calça boca-de-sino e camisas de gola grande. A amizade evoluiu e virou namoro. A baiana e o pernambucano formariam poucos anos depois uma família com o primeiro filho, na casa dos fundos na Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo.

Os anos passando e, sabe como é, o amor supera tudo, mesmo um Corinthians x Palmeiras. Ela torcia para o Verde, mas admirava a coragem de Casagrande, Sócrates, Wladimir. Adorava as narrações de Osmar Santos e ria das imitações que ele fazia do "Pai da Matéria" enquanto comemorava o bicampeonato paulista sem camisa na sala. Já o time dela não dava tantas alegrias, exceto quando Luis Pereira pegava na bola. "Jogava muito". E a fila andando no Parque Antártica.

Após aguentar o marido em 1986, quando perderam para a Inter de Limeira e, mais ainda, em 1988, quando um tal Viola de mais um Paulista ao Corinthians, chegaria o dia da desforra. Em um Dia dos Namorados, 16 anos e dois filhos depois, a vingança veio com requintes de crueldade. No primeiro jogo, dias antes, ele na sala e ela no quarto do filho, que via o jogo com o pai. Viola imitou o porco no gramado enquanto o amado reproduzia o gesto. Agora era a sua vez de celebrar como fazia nos tempos da escola. Saiu do quarto com os braços erguidos, cantando "Palmeiras, Palmeiras. Campeão!". Ele calado, quase chorando, recolheu-se ao sofá. Dois dias sem papo.

Esse Corinthians x Palmeiras caseiro dura até hoje, no entanto, ela sempre cedeu a alguns ídolos que fez do outro lado. Neto e Marcelinho Carioca, craques "danados", segundo ela, fã dos dois. Ele jamais teve qualquer vacilo. "Corintiano não elogia palmeirense? Aonde (sic)?". Veio o troco alvinegro em 1995. Mas, quatro anos depois, quando Marcos pegou o pênalti de Marcelinho, ela não sabia se pulava pelo time, ou sofria pelo jogador que tanto gostava. Coração dividido. Coisas de mãe.

Amanhã, pela primeira vez em seus quase 50 anos de amizade, namoro e casamento, eles verão juntos um Corinthians x Palmeiras. Como nunca antes na história deles, vão torcer unidos por um objetivo. Terá a brincadeira do campeão em cima do vice, é lógico, mas só depois dos 180 minutos. Quando a bola rolar, como há muito não se via, vão baixar o volume da televisão e aumentarão o do rádio. Farão figa pelo filho, que vai narrar a primeira final de Campeonato Paulista da sua vida profissional. Quis o destino que fosse um Corinthians x Palmeiras.

Na rádio BandNews FM, a partir das 21h30.

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