Se tem um assunto que me deixa chateado é quando a imprensa resume a carreira de um jogador em apenas um determinado lance, mais ainda quando aconteceu numa jogada errada. Agora, no final de outubro, um determinado site esportivo descreveu pela milésima vez o famoso lance do amistoso entre Brasil e Itália em 1990, quando Rinaldo não deu um passe para Pelé.
Antes de escrever algo sobre o lance, precisamos descrever sobre a bela e vitoriosa carreira de Rinaldo, algo que infelizmente muitos jornalistas daqui não fazem, esquecem ou não valorizam. Rinaldo surgiu no profissional do Campinense em 1984, atuando como meia e na ponta-esquerda chamou atenção de diversos clubes devido a força e habilidade.Foi contratado pelo Santa Cruz em julho de 1985. O Santa Cruz tinha vendido o sergipano Henágio e contratado Jacozinho, o Rei de Alagoas e o jovem Rinaldo sensação na Paraíba.
Rinaldo teve problemas para se adaptar no Santa Cruz, especialmente pelas cobranças do treinador Waldemar Carabina, que exigia maior participação dele na marcação e ações defensivas.
Em janeiro de 1986 Rinaldo foi emprestado ao Treze e arrebentou num dos maiores times da história do Galo da Borborema; o monstro das balizas Jorge Hipólito, o super lateral-direito Levi, Gabriel Anjo-loiro e Rinaldo destruindo tudo pelo lado esquerdo... Por ironia, o treinador do Treze no Campeonato Brasileiro de 1986 era justamente Waldemar Carabina.
No início de 1987 Rinaldo voltaria ao Santa Cruz, mais maduro e combativo. Primeiro sob o comando de Paulinho de Almeida e depois sob a batuta de Abel Braga, foi destaque coral nos Campeonatos Brasileiros de 87 e 88. Mesmo com um time limitado e pouco competitivo, chamou a atenção nos amistosos tricolores em Portugal e despertou interesse do Internacional (que acabou levando Dadinho e Sérgio China), do São Paulo e do Fluminense, sendo o clube carioca o que mais avançou nas negociações.
Na primeira tentativa o Santa Cruz pediu uma quantia em dinheiro e o passe do Goleiro Paulo Victor. O Fluminense juntou mais dinheiro e adquiriu o passe de Rinaldo por um alto valor. Foi a segunda maior negociação do futebol nordestino naquele período, só perdeu para a venda recorde de Bobô do Bahia para o São Paulo, no auge do meia baiano que havia sido campeão brasileiro meses antes.
Na negociação o Santa Cruz ficou com os 15 % de Rinaldo e ainda recebeu o passe do zagueiro Tanta. Baiano de Feira de Santana, Tanta teve uma passagem rápida e marcante pelo Santa Cruz, sendo campeão pernambucano e vendido ao Famalicão em julho de 1990. Essas duas negociações foram fundamentais para as finanças do Santa Cruz, ajudando bastante nas despesas.
Rinaldo novamente se destacava, mas estava num clube que não brigava por títulos nem no campeonato brasileiro e nem no campeonato carioca. Enquanto isso, a Seleção Brasileira passava por uma renovação extrema após a Copa de 90. Sobre o comando do treinador Paulo Roberto Falcão, vários jogadores receberam as primeiras oportunidades, incluindo Rinaldo que foi convocado para o terceiro amistoso da “ERA FALCÃO”; o confronto entre a Seleção Brasileira e a Seleção do Resto do Mundo em comemoração aos cinquenta anos do Rei Pelé.
Pelé tinha se aposentado do futebol profissional em 1977, jogou algumas partidas amistosas e a partida de estreia da Copa Pelé de 1987, também conhecida como Mundialito de Futebol Senior, organizada pela TV Bandeirantes ( O Rei nem disputou a final contra a Argentina). Pelé estava mais focado em participações nas transmissões, sendo comentarista da Copa de 1986 pela Bandeirantes e da Copa de 1990 pela Globo.
Uma Seleção Brasileira renovada, jogando no Estádio San Siro em Milão, o mais completo da época e que hoje está sendo considerado obsoleto, foi encarar craques e feras de todo o planeta; Francescoli, Ruggeri, Van Basten, Roger Milla, Carlo Ancelotti... O Brasil perdeu por dois a um, Neto (no seu auge pós copa, porque antes era um jogador comum) marcou o gol do Brasil numa cobrança de falta.Um detalhe na partida foi que a Seleção do Resto do Mundo tinha dois treinadores e usou quatro goleiros naquele jogo com caráter meramente festivo.
Pelé só atuou por 43 minutos no primeiro tempo, sendo figura principal num lance marcante, após um cruzamento de Leonardo, Rinaldo tentou uma bicicleta ao invés de ter passado a bola para Pelé.
Era um período de baixa confiança da torcida com a Seleção. Nem houve forte repercussão daquele lance. O impacto só tornaria-se maior no final da década, quando numa entrevista para a Revista Placar, Pelé reclamou de Rinaldo, usando inclusive um palavrão ao se referir ao jogador.
Após aquele jogo Rinaldo nunca mais teve chance na Seleção, mas conseguiu uma transferência para São Paulo em janeiro de 1991, a pedido do treinador Telê Santana que iniciava a montagem daquele super-time e e resolveu mesclar o time de 1990 com os jovens da base. Telê pediu a contratação de apenas dois jogadores: Rinaldo (com quem havia trabalhado no Fluminense) e Macedo, revelação do Rio Branco de Americana. Por ironia, Rinaldo foi trocado com Bobô.
No São Paulo, Rinaldo reencontrou o volante Suélio, com quem havia jogado desde à categoria de base do Campinense. Não conseguiu se firmar como titular, principalmente devido ao surgimento de Elivelton, mas foi importante em muitos jogos do Tricolor, na conquista do Brasileirão e Paulistão, ambos em 1991 e especialmente na conquista da Libertadores de 1992.
Curiosamente seu primeiro gol pelo São Paulo foi justamente contra o Fluminense, quando após um cruzamento de Leonardo, o camisa 10 Raí escorou e ele acertou um lindo voleio, entretanto o gol mais importante dele pelo Tricolor Paulista, sem dúvida alguma, foi na partida de ida das semifinais da Libertadores de 1992, quando, após uma linda cobrança de falta ensaiada, ele marcou o terceiro gol contra o Barcelona de Guayaquil.
Foi um gol fundamental para a classificação do São Paulo, especialmente porque na partida de volta no Equador o Barcelona venceu por dois a zero e por muito pouco não eliminaria o clube brasileiro.
Após aquela conquista, Rinaldo optou por sair do São Paulo, teve uma passagem rápida pelo Sport, Portuguesa, rodou o mundo fazendo o seu “pé de meia” jogando no Japão, China e Portugal Tunísia, Grécia, Áustria, até encerrar a carreira no Serrano da sua amada Campina Grande em 2000, onde reside até hoje.
Encerro essa crônica solicitando que o jornalismo esportivo (especialmente aqui no Nordeste) descrevesse melhor sobre os jogadores do passado. A única unanimidade no nosso Futebol é que Pelé foi o Deus maior do Futebol... mas naquele lance, até eu cometeria o mesmo pecado de não tocar a bola para o Rei.