Recordação do duelo entre Guarani e São Paulo pela Libertadores de 1987, quando Henágio viveu sua noite de Pelé

Recordação do duelo entre Guarani e São Paulo pela Libertadores de 1987, quando Henágio viveu sua noite de Pelé

Finalmente encontrei na internet uma reportagem que aguardava desde a criação do Youtube. Durante muito anos, as imagens mais aguardadas por mim eram do jogo entre Guarani e São Paulo em Campinas pela Taça Libertadores de 1987. Precisamente um mês após a final do Brasileirão de 1986 (o maior jogo de todos os tempos) o Bugre e o Tricolor voltariam a se enfrentar. Dessa vez não precisaríamos lotar a Caravan de Papai e nos deslocar até a cidade vizinha, já que a TV Globo iria transmitir aquela competição, cujo pontapé inicial foi dado numa sexta-feira à noite.

A Taça Libertadores era a novidade para minha geração, especialmente os escudinhos do Cobreloa e Colo Colo na Revista Placar, e o futebol brasileiro estaria bem representado com dois clubes recheados de craques. Mesmo assim o Guarani ainda foi buscar boas revelações no futebol pernambucano. O bugre já tinha Ricardo Rocha, Albéris e Marco Antônio, mas foi buscar o goleio Carlinhos, o volante Lourival e o extraordinário meia Henágio.

Henágio era o nosso Maradona Nordestino com umas pitadas de Carl Lewis; meia extremamente habilidoso e veloz, também pudera... ele havia sido um forte competidor de Atletismo na adolescência. Surgiu no Sergipe e arrebentou no Santa Cruz, mas a boêmia seria o seu maior marcador. As noitadas e as divergências com o treinador Ênio Andrade prejudicaram sua passagem no Sport. Foi vendido para a Catuense, que estava rica com as vendas de Bobô e Zanata para o Bahia, e emprestado ao Guarani para jogar aquela Libertadores.

A estréia dele foi justamente naquela partida contra o São Paulo pela Libertadores... Henágio arrancou, driblou, bailou, voou, flutuou e teve uma atuação mágica que quase quarenta anos depois a minha memória jamais conseguiu esquecer. Naquela noite de Sexta fui dormir imaginando que tinha visto o Rei Pelé, especialmente porque durante o jogo ouvi meu saudoso Pai falar “Hoje, Henágio está com as canelas de Pelé”.

Alguns dias depois uma turma de amigos de Papai se reuniu para acompanhar uma fita VHS do filme “Isto é Pelé”. A criançada fez uma imensa bagunça na casa de Zé Mário, para ver aquela novidade chamada Vídeocassete, mas eu fiquei quietinho, embaixo de uma mesa na sala querendo comparar os movimentos de Pelé com àqueles de Henágio.

A passagem dele pelo Brinco de Ouro durou pouco, seria lindo ter visto Henágio mais tempo ao lado de Tosin e Boiadeiro, mas o Flamengo pagou quase quatro vezes mais pelo valor do passe e o levou, ainda levou por empréstimo Luis Henrique e Vandick. Henágio seria o sucessor de Zico e conseguiu se destacar na Taça Guanabara do ano seguinte, mas no segundo semestre de 1988, o Flamengo resolveu emprestá-lo ao América.

Dali em diante a carreira dele nunca mais foi a mesma; cigarro, bebida, noitadas e rebeldias. Henágio rodou o país; Figueirense, Pinheiros no fim e depois na fusão que originou o Paraná, Coritiba, Sampaio Corrêa, Tuna Luso... Tornou-se o símbolo da expressão “jogador-bilheteria”; aquele craque que chegava a peso de ouro para driblar e animar a torcida.

Voltou ao Santa cruz em 1992, ele sem o brilho da década anterior e o Tricolor iniciando uma decadência financeira e esportiva no cenário nacional. Foi emprestado ao Campinense em 1993, e simplesmente arrebentou na Raposa. Recordo que ouvi no velho Motorádio de Papai a imprensa de Campina Grande elogiando muito a chegada daquele gênio. Ele ficou imortalizado na lembrança dos raposeiros pelo lance conhecido como “DRIBLE NOS ONZE DO TREZE”, ao driblar vários jogadores do Galo da Borborema no maior confronto do Nordeste; o Clássico dos Maiorais”.

O Campinense venceu o campeonato paraíbano de 1993 com direito a toque de calcanhar de Henágio para o artilheiro Roberto Micheli na jogada do gol do título, que veio numa vitória de virada por 3 x 1 contra o Treze.

Aproveitando o bom momento, foi negociado com o futebol português,jogou pelo Vizela e depois esteve na Bélgica. Retornou ao Brasil para jogar no carismático Cori- Sabbá do Piauí e encerrou no mítico Cotinguiba da sua amada Aracaju.

Anos depois retornou ao Recife,para trabalhar nas categorias de base do Santa Cruz. Passou mal após uma partida de veteranos corais numa manhã de sábado, chegando a ser medicado num hospital e depois liberado. Foi dormir na noite do domingo e amanheceu sem vida naquela segunda feira, 26 de Outubro de 2015.

Escrever sobre Henágio é ter a certeza de que várias pessoas da minha geração vão imaginar; “Esse cara poderia ter ido mais longe”, mas tenho a certeza de que ele foi muito além do que nossa imaginação poderia mensurar. Henágio viveu intensamente no nosso imaginário com a magia de uma infância que parava por uma partida, seja com os olhos na frente da TV, com os ouvidos numa resenha de Rádio ou com todos os sentimentos pulsando numa arquibancada ao vê-lo em campo.

Para mim a saudade é ainda maior, porque além de Henágio ter sido o primeiro personagem que deslumbrou de forma lúdica a minha paixão pelo futebol, aquela frase dita por Papai rasga meu coração por não ter mais o meu velho amigo ao meu lado. Papai transformava uma final de Copa do Mundo ou um CRB x Tombense em algo inesquecível com frases e análises precisas. Jamais duvidei de que Pelé estivesse nas canelas de Henágio naquela noite, porque durante toda a vida vou lembrar o quanto foi bom, ouvir e ver que meu Pai estava feliz.

Últimas do seu time