No último dia 26 de julho comemorou-se o Dia dos Avós. Em homenagem ao meu avô paterno (Fritz Markiewicz), o único que conheci, farei um paralelo da história da Alemanha, país do qual ele nasceu, o futebol alemão e sobre sua vivência no esporte mais popular do planeta.
O território alemão, como dos demais países europeus, é habitável antes do nascimento de Jesus Cristo. Sua citação inicial foi como Germânia, nome dado pelos romanos, que depararam com várias tribos, como visigodos, teutões, ostrogodos, chamando-os de bárbaros, por serem selvagens e agressivos. Esses habitantes eram pagãos e adoravam várias divindades, que também seriam deuses para os futuros vikings. Com o tempo, o expansionista Império Romano acabou sendo derrubado por essas tribos bárbaras no ano de 476, forjando-se uma nova Europa e iniciando-se a Idade Média, da qual duraria por quase 1000 anos. Os romanos inicialmente tinham os mesmos deuses que os gregos, mas depois adotaram o Cristianismo como principal religião, consistindo-se também na crença dos futuros europeus, com esses povos bárbaros sendo cristianizados por opção e muitas vezes por imposição. Mesmo a Alemanha contando com o Imperador Carlos Magno, que também governou a França, não tinha uma unidade única, pois seus Estados eram divididos em reinos, ducados, condados e principados, cada um contando com uma política própria. Surgiu o Sacro Império Romano Germânico, que nada mais era que uma continuação do Império Romano, mas sem as tão marcantes convicções imperialistas. Pelo fato do território alemão estar localizado no centro da Europa, era um local estratégico, onde muitos viajantes e comerciantes passavam, tanto é que anos depois surgiu a Liga Hanseática (Hansa Teutônica), muito importante para o comércio nos portos de Hamburgo, Bremen e Lübeck. A Ordem dos Cavaleiros Teutônicos de Santa Maria também foi fundamental numa política expansionista, participando das Cruzadas no Oriente Médio e colonizando o Estado da Prússia a partir do século XIII, um dos últimos territórios europeus que ainda era habitado por bárbaros, os borussos. A Reforma Luterana de 1517 teve um papel relevante na sociedade alemã e europeia, tão influenciada pela Igreja e pelos Papas, mudando muito a forma de se pensar, fazendo com que a fé fosse tão questionada posteriormente pelo Iluminismo. De 1618 a 1648 aconteceu a Guerra dos Trintas Anos, conflito que arrasou a Europa, em especial o território alemão, fazendo com que um forte Estado germânico passasse a se destacar dentre os demais. A Prússia tornou-se reino e através do rei Frederico passou a desafiar o mais forte país de língua alemã, que era a Áustria, na época formada pelo Império Austro-Húngaro e governada pela poderosa dinastia dos Habsburgos. No período das guerras napoleônicas, mais uma vez o território alemão foi severamente castigado por batalhas, ascendendo aos poucos uma utopia dos alemães em terem uma unidade única como as demais grandes países europeus, em especial a França e a Inglaterra. Do país surgiam gênios na literatura, pintura, imprensa, ciência e principalmente na música, que tem até hoje forte influência universal. Os alemães sabiam que se tornassem um único país, superariam as outras nações europeias com o passar dos anos. Essa forma de pensamento era muito forte na visão do chanceler prussiano Otto von Bismarck, levando a Prússia a desafiar os dinamarqueses, austríacos (apoiados pelos bávaros) e franceses, vencendo todos com o seu moderno exército, coroando o rei prussiano Guilherme I como imperador da Alemanha (em alemão, Kaiser Wilhelm) unificada no dia 18 de janeiro de 1871, em pleno palácio de Versalhes na capital francesa de Paris, com o povo alemão sendo a partir daí governado pela dinastia prussiana dos Hohenzollern.
Na mesma época que surgia a Alemanha unificada, o futebol moderno era introduzido no país, já que surgiu na Inglaterra em 1863, uma nação próxima. O esporte, por ser de origem inglesa, foi de certa forma ignorado pelos alemães, ainda mais no governo do imperador Guilherme II, que também queria um Lugar ao Sol para os alemães, confrontando-se com a Inglaterra, já que construía uma forte frota marítima, além do país estar crescendo muito industrialmente. Para o imperador alemão, a ginástica é que deveria ser priorizada. O campeonato alemão de futebol (Bundesliga) passou a ser disputado em 1903 (um ano após o primeiro campeonato paulista), com o Leipzig sendo o campeão, time da cidade com mesmo nome em que a minha bisavó Helena (mãe da minha avó paterna) nasceu.
Foi nessa Alemanha prussiana que nasceu no dia 19 de dezembro de 1909 o meu avô paterno. Sua cidade natal era Breslau, capital do Estado da Silésia, que atualmente tem o nome de Wroclaw e pertence à Polônia. Seus pais chamavam-se Bruno (falecido quando era bem pequeno) e Clara. Tinha pouca recordação do pai, passando a ser criado pelo seu tio, que era delegado. Suas primeiras lembranças de vida eram referentes à entrada da Alemanha na Primeira Guerra Mundial em 1914, apoiando sua aliada Áustria-Hungria, que declarou guerra à Sérvia após o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando. O campeonato alemão de futebol foi interrompido de 1915 a 1919. Após o término do conflito (1918), com a derrota alemã, que o esporte passou a ser levado com seriedade no país, podendo ser praticado, já que não houve combate em terras alemãs. Meu avô foi um dos simpatizantes, passando a praticar o futebol e sendo torcedor do Schalke 04. Dizia ele que jogava na ponta-esquerda, era veloz e corria 100 metros em 10 segundos, algo fantástico para a época. Outro detalhe, engraçado por sinal, foi quando me contou que quem não soubesse nadar na Alemanha, não passava de ano nas escolas. Tinha admiração por atletas de outros esportes como Lutz Long, atleta de salto à distância que se tornou amigo do corredor negro Jesse Owens (Estados Unidos) nos jogos olímpicos do seu país e também admirava o boxeador Max Schmeling, que nunca foi nazista e sempre se recusou a demitir seu agente, que era judeu norte-americano, travando uma histórica luta com Joe Louis, o melhor pugilista da época. Apreciava o futebol bem jogado da Seleção da Áustria do espetacular centroavante Mathias Sindelar e da Hungria do cerebral Sarosi, quando os dois países não formavam mais um único império. Jogou em times amadores, mas nunca quis seguir a carreira, optando mais pela profissão de relojoeiro, mesmo chegando a confidenciar que tinha vontade representar a Alemanha na Copa do Mundo de 1934 e nas Olimpíadas de Berlim em 1936 (a capital alemã foi escolhida como sede no ano de 1930), mudando de opinião a partir de 1933, quando o nazismo, regime do qual era contra, assumiu o poder, levando-o a migrar para o Brasil no início de 1937. Fixando-se na cidade de São Paulo, conheceu a minha avó, Jenny Edith, também alemã de nascimento (de Chemnitz), com quem veio a casar em 1939. Por gostar muito de futebol, queria escolher um time para torcer, não podendo ser o Germânia, pois não tinha mais atividades futebolísticas, optando pelo Corinthians, que sempre foi popular, abrindo as portas para todos, independente da sua origem. Acompanhou jogadores como Teleco, Servílio, Brandão, Dino e Domingos da Guia, sendo que posteriormente, já ao lado do meu pai (Mário) viu o grande time dos anos 50, de Cláudio, Luizinho, Baltazar e Gilmar. Continuava ligado à Alemanha, acompanhando a Copa do Mundo de 1954, vibrando com a inédita conquista alemã do treinador Sepp Herberger, mostrando ao meu pai um jornal alemão que estampava uma foto do goleiro Turek com as mãos sangrando (ainda não se usava luvas) devido aos muitos chutes desferidos pelos jogadores húngaros. Foi uma grande emoção, ainda mais com o capitão alemão, Fritz Walter sendo seu xará (se bem que o primeiro nome do jogador era Friedrich, mas ficou para a história do futebol como Fritz) erguendo a taça e pelo significado que teve ao povo alemão, hostilizado pelo mundo devido à Segunda Guerra Mundial, passando a acreditar que tinha direito sim à existência. Ficou sabendo que em 1959 o Corinthians havia feito sua segunda excursão à Europa (a primeira foi no ano de 1952), jogando inclusive na Alemanha contra o Bayern de Munique, vencendo-o pelo placar de 3 a 2. Acompanhava a Seleção Alemã mais pelo radio, já que nos anos 50 e 60 não havia transmissões via satélite para o Brasil, vibrando com as jogadas de Uwe Seeler e, posteriormente, Franz Beckenbauer, ambos vice-campeões mundiais da Copa do Mundo de 1966, além de receber com tristeza a notícia da divisão do país através do Muro de Berlim (Alemanha Ocidental e Oriental existiam desde 1949, mas sem estarem divididas). O treinador da Seleção Alemã a partir de 1964 era Helmut Schön, que havia substituído à Herberger e introduzido um estilo de jogo mais técnico. Em 1970 ocorre a primeira transmissão de um Mundial pela televisão brasileira, que era em preto e branco na ocasião, com os alemães ocidentais fazendo um bom papel, alcançando um terceiro lugar e já revelando ao mundo jogadores de destaque como o atacante Gerd Müller e o lendário goleiro Sepp Maier. Na Copa do Mundo de 1974, a primeira realizada na Alemanha e transmitida no Brasil em cores para quem tinha televisores com este modelo, dividiu-se no jogo entre Alemanha Ocidental (a campeã do Mundial) e Oriental, com os alemães orientais vencendo pelo placar de 1 a 0, mas pôde vibrar com o título dos ocidentais contra os holandeses, os favoritos ao título com seu grande time comandado pelo excepcional craque Johann Cruijff e por seu treinador, o expressivo Rinus Michels.
Nasci em 1976 e, quando criança, acabei percebendo essa paixão futebolística do meu avô, influenciando-me tanto na escolha do time a torcer, como nas Copas do Mundo, pois desde que comecei a acompanhar futebol na Copa de 1982, sempre torcia pela Alemanha quando o Brasil saía do Mundial, o que geralmente aconteceu até 1990 com o Tricampeonato, finalizando em 2002, ou seja, durante os meus primeiros vinte anos de Copa do Mundo tive a oportunidade de torcer do início até o fim, com a Alemanha sendo finalista nas três primeiras (vencendo a última) e o Brasil decidindo em 1994 (Tetracampeão) e 1998, derrotando os alemães na próxima, sendo Pentacampeões.
Durante a minha infância, meu avô Fritz residia na cidade de São Vicente, primeira a ser fundada no Brasil e localizada no litoral sul do Estado de São Paulo. Confesso que tinha certo medo dele, pelo olhar duro e pelas poucas palavras que tinha comigo. Mas afirmo que aprendi muito com o que me disse, forjando o meu caráter. No futebol também me ensinou muita coisa e nunca me esqueci da sua marcante frase que tanto me influenciou no meu conceito futebolístico sobre a memória de um time: "Futebol é momento?. Faleceu no final de 1992, quando eu tinha 16 para 17 anos, deixando até hoje muitas saudades.
As três fotos são do tempo que ele morava na Alemanha. Na fotografa que tem três pessoas é o que está em pé de braços cruzados. E na foto que aparece duas pessoas de bicicleta, ele é o que está de roupa mais escura.
Imagem: @CowboySL