A "maravilhosa" bagunça no pequeno apartamento de Sarkis, no centro de São Paulo

A "maravilhosa" bagunça no pequeno apartamento de Sarkis, no centro de São Paulo

“Uma crônica publicada só uma vez permanece inédita”, diria, acho, Nelson Rodrigues.

Assim, leiam o que escrevi há 14 anos sobre o “Homem das Fotos”.

“E aí, toca o telefone.

Era um certo Sarkis, com voz carregada, sotaque forte de árabe, hebraico, polonês, húngaro, sei lá, não me lembro bem.

Ele queria me oferecer fotos, fotos de times e jogadores de futebol.

Eu estava começando em 1994 a ser "colunista”, numa loucura do Arnaldo Branco que Sérgio Xavier, de Placar, e Nilson Camargo, do Agora, não abortaram.

Fui até o apartamento do fotógrafo Sarkis.

Avenida Rio Branco, centro velho, prédio feio, cinzento, homens estranhos, mulheres não casadoiras de vida nada fácil, portaria de hotel de filme afegão e elevador (manual) londrino dos tempos de Jack, o estripador.

Cheguei, o velho Sarkis disse-me de cara que eu era "um bem intencionado historiador”, mas com fotos paupérrimas.

E ele dormia entre elas, dentre elas e com elas.

O apartamento era um imenso sótão com caixas e mais caixas de fotos-papel, pilhas de livros, sofás puídos cheios de estranhas máquinas fotográficas, numa desordem completa que me apaixonou.

É que Sarkis, no seu mundo particular de vida ao lado de ninguém, tinha milhares de fotos daquilo que mais gosto, além de minha família e de tentar entender o mundo maravilhoso do vinho: jogador de ontem, jogador de futebol "véio”.

É uma questão de gratidão. Quem jogou futebol e falou de futebol no rádio, forjou meu norte, à deriva até 1971.

E Sarkis tinha o que eu mais queria: fotos de 63, 64, 65, 66, os anos mais felizes de minha vida a bordo de meu velho rádio GE de capa de couro marrom.

Aflito, sôfrego, as fotos que via no soturno apartamento davam vida, a cada segundo, a quase tudo que havia ouvido nas vozes de Pedro Luiz, Edson Leite, Haroldo Fernandes, Flávio Araújo e, principalmente, de Fiori Gigliotti.

Sarkis pediu três reais por foto.

Paguei cinco, levei 615 delas.

E em 25 anos de coluna, quase todas foram publicadas e, no cantinho, as letrinhas sempre fizeram justiça: "Foto Sarkis”.

Nem sei se ele via, lia ou se sentia algum prazer.

O meu foi e continuará sendo indescritível.

Sou bom de rádio, apesar que já fui um Barcelona e hoje estou mais para um Corinthians, digamos, em boa fase.

Na TV, sou o Guarani campeão brasileiro de 1978, e, escrevendo, subi de Hepacaré de Lorena ou Seleto de Paranaguá para Athletico Paranaense ou Santos de Sampaoli.

Mas em duas coisas sou parada dura para perder: na gratidão e no amor ao boleiro de ontem.

E boleiro para mim é todo aquele que calçou chuteira ou que empunhou um microfone esportivo.

Conheço um pouquinho de cada um deles depois de tanto ouvir, ler e ver.

E sabem qual foi a melhor emissora que eu vi em toda minha vida?

A TV Sarkis.

É que essa TV me fez ver quase tudo que só ouvia em Minas e que tanto queria curtir nos estádios e não podia.

Mas estou muito triste, mesmo tendo hoje tanta TV para ver o que, quando e quanto quiser.

É que a principal delas se apagou. As válvulas de minha velha TV Sarkis não aguentaram mais. Sarkis morreu”.

Abaixo, veja maravilhosas fotos tiradas pelo histórico fotógrafo Sarkis:

Lotado e ridículo banco de reservas da Seleção Brasileira "Azul" naquele domingo à noite de 1965, no Pacaembu, antes de Brasil 5x3 Hungria. Na primeira fila vemos: Ditão (era ainda jogador da Portuguesa e depois foi para o Corinthians), Coutinho, Ivair, Almir, Suingue e o goleiro Marcial. E, na segunda fila, agachados ou sentados, você está vendo o repórter Roberto Carmona, Clóvis Queiroz, o menino Roberto Rivellino, (em primeira convocação), a testa de Geraldino, Renato Jacaré Gaúcho (segurando um jornal), Nei Oliveira, o repórter Flávio Adauto "pitando" e o massagista Beraldo (sentado em um jornal). Viram só o banco de reservas? E se chove? A foto, claro, é do grande Sarkis

 

A imagem captada por Sarkis é linda porque mostra o esplendor que sempre emoldurou um gênio

 

Veja como em 1964 também o Parque São Jorge ficava lotado e até com gente se segurando no madeirame das placas de propaganda. E se o velho e lotado Parque servia naquele tempo, por que atualmente não serve mais para jogos do Timão? E olha que atualmente o estádio está em melhores condições. Em pé: Augusto, Oreco, Cabeção, Cássio (mora na Bélgica), Eduardo e Ari Clemente. Agachados: roupeiro Irineu, Bataglia, Silva, Nei, Rafael e Ferreirinha. Foto: Sarkis

 

Aqui está a despedida de Calvet do futebol, no dia 19 de setembro de 1965. O palco é a Vila Belmiro, num Santos 0 x 1 Palmeiras, gol de Ademar Pantera. Nicolau Moran Villar, Augusto da Silva Saraiva e Athiê Jorge Cury entregaram um troféu-despedida ao grande zagueiro gaúcho. Calvet e os três dirigentes praianos já morreram. Foto: Sarkis

 

Sarkis registrou a passagem do histórico Jair Rosa Pinto pelo São Paulo

 

Ademar Pantera nos tempos de Palmeiras sendo entrevistado por Roberto Carmona

 

Da esquerda para a direita, antes de um Noroeste x Corinthians: Toninho Guerreiro, Gelson e Gualberto. Sarkis fotografou a bela cena

 

Em 1965, o Pacaembu estava lotado para um jogo do fantástico Santos. E será que os jogadores de hoje poderiam ver uma partida preliminar lado a lado com os torcedores? Bons tempos. A violência quase não existia, muito menos guerra de organizadas. Aqui, da esquerda para a direita, os craques santistas Lima, Modesto (atrás de Pepe), Pepe, Toninho Guerreiro (camisa branca) e Coutinho observam ao jogo preliminar. Um torcedore está entre os goleadores Toninho Guerreiro e Coutinho. Ao lado do versátil Lima, um guarda civil. Imagina se hoje seria possível aos craques dar uma espiadinha em alguma partida de futebol ao lado da galera? A foto, de rara sensibilidade, tem a assinatura do saudoso fotógrafo Sarkis

 

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