Uma padaria em São Paulo às 6h da manhã é dos locais mais deliciosos da vida; e não falo aqui dos pães de queijo, tampouco do pingado e pão na chapa, mas da boa conversa dos transeuntes em busca de assunto. Às segundas-feiras então é espetáculo gratuito! O futebol toma conta do ambiente e as discussões batem o balcão de metal com a mesma força das xícaras, copos e pratos. De uns meses para cá, um tema tornou-se recorrente: o árbitro de vídeo.
“Uma baguete fria na manteiga para esse maldito VAR! Só rouba o Palmeiras!”, gritava o Arlindo. “Quando ajuda o teu time, você não reclama, não é, chorão!”, retrucava o corintiano Xandão. O debate só não progredia em tom e em volume por causa da vitamina de abacate que o alvinegro pedia toda manhã. Não dava para falar de boa cheia. “Eles inventam pênaltis a toda hora. Queria ter essa criatividade toda”, comentava o Neiva com os cotovelos pesando sobre a mesinha de madeira.
Olhei para essa conversa, digna de Conselho de Segurança da ONU, com a curiosidade de um fotógrafo. O foco da objetiva flertava com os olhos daqueles operários paulistanos enquanto desciam o porrete em árbitros que sequer sabem o nome. Lembrei-me de quando estamos no ar e da nossa responsabilidade em incendiar ou apagar o fogo da maledicência no dia-a-dia do torcedor. É fato que eles - os árbitros – não nos ajudam muito, mas como eu posso chamar um sistema eletrônico de captação e repetição de imagens de “ladrão”? Faz sentido?
Lembrei-me então de Jesus, figura das mais excelsas na história da humanidade e conhecido por seu poder de perdoar. Numa das passagens bíblicas, salvou uma mulher, tida como adúltera, de ser apedrejada pela turba ensandecida em busca de punição. Disse: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”. Não houve quem levantasse a mão. Todos foram embora e o filho de Maria apenas pediu à moça: “Vá e não peques mais”. Seria da condição humana a necessidade de ter alguém para atirar pedras?
Das alamedas da Galileia regressei mentalmente até a Rua Maria Antônia, em Higienópolis. Olhando aquelas pessoas cercarem a televisão como uma presa, esbravejando. Senti um pouco de vergonha, confesso, por todas as vezes que fiz algo parecido com um microfone nas mãos contra o árbitro A, B ou C. O amigo pode questionar-me: “Mas isso não é normal no futebol? É a paixão do torcedor”. Talvez seja, mas por que projetamos as nossas dúvidas morais sobre os ombros de pessoas – competentes ou não – que estão trabalhando? Quantos gols já narrei mal, outros tantos perdi, frases que gaguejei. Todos nós erramos e acertamos.
Podemos olhar as falhas dos homens do apito e das cabines com um pouco mais de serenidade e benevolência. Apontar as falhas e buscar sua correção e cobrar o comando da arbitragem brasileira é dever da imprensa e do universo do futebol. Atirar blocos de julgamento moral com o concreto armado do ódio não vai nos levar a lugar alguém.
Árbitro. VAR e não peques mais. Mas aquele torcedor que não tiver pecado, que atire a primeira pedra.
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