Amigos reunidos - Alberi, Milton Neves, Danilo Menezes e Marinho Chagas. Foto: Canindé Soares
8 de Fevereiro de 1952. O Brasil, como se estivesse experimentando um terremoto, tremia, mas tremia de alegria, de norte a sul, era carnaval.
Na famÃlia Marinho, enquanto fervilhava o reinado de Momo, nascia um menino, em Natal, RN.
Franzino, nascido de parto cheio de dificuldades, seus pais deram-lhe o nome de Francisco, Francisco das Chagas, Francisco das Chagas Marinho. Esse menino era um predestinado.
Quando o Chiquinho, como sua famÃlia o chamava, começou, logo aos oito, nove anos, a jogar bola, o nordeste se engrandeceu. Aquele menino era um gênio, dona bola, eterna volúvel, encantou-se; para o Chiquinho ela se rendia, para ele a bola, desde os primeiros contactos, jurou amor eterno!
Os amigos, meninos e companheiros de peladas, ao contrário dos familiares, quando começaram a se defrontar com o Chiquinho nos campinhos da várzea e nos espaços das lindas praias da capital do Rio Grande do Norte passaram a chamá-lo de "Marinho? e foi assim que a história conservou seu nome; é assim que ele será conhecido, até o fim dos tempos.
Antes e depois do Gênio de Natal
Marinho jogava no ataque nos primeiros tempos de sua parceria com o futebol, para Marinho, acima de tudo estava a arte e a arte era driblar, era fazer os marcadores caÃrem sentados, era fazer gols antológicos!
Marinho, o pequeno gênio do Rio Grande do Norte, logo se notou, ia fazer história. Era show na praia, era show onde ele estivesse.
O Rio Grande do Norte era insÃpido para o futebol naquela época, com 16, 17 anos, a fama do menino corria, nossa, como corria (!), só se falava em Marinho, o "Menino ProdÃgio?!
Logo o ABC de Natal o procurou, no ABC ele, com a camisa alvinegra, começou a fazer o povo enlouquecer. No nordeste, entretanto, mandava o Náutico, o Timbu era multi-campeão, um enviado do Náutico aproximou-se da famÃlia, foi no clube do Recife que Marinho foi parar, foi lá que ele se notabilizou de uma vez.
No Náutico "descobriram? a posição de Marinho, alguém inspirado, inspiradÃssimo na Praia de Boa Viagem, entre um e outro chopp, algum professor emérito, resolveu que ele vestiria a camisa 6, seria lateral-esquerdo, embora a vocação do menino fosse visivelmente de atacante.
Houve um tempo em que lateral marcava ponta. Foram anos e anos em que lateral marcava ponta, e só. Lateral-direito marcava ponta-esquerda, lateral-esquerdo marcava ponta-direita, os laterais eram absolutamente limitados.
Como jogar, e fazer graça, ao marcar Garrincha, que era ponta direita, como fazer algo belo com a bola se a incumbência era marcar Canhoteiro, que era ponta-esquerda?
Nilton Santos, registra a história, foi o maior lateral-esquerdo de que se tem notÃcia, chamam Nilton de a "Enciclopédia do Futebol? porque ele, além de marcar o ponta direita da equipe contrária ousou, na Copa de 1954, ir ao ataque uma única vez e fazer um cruzamento para que um atacante fizesse gol.
Nilton Santos é lenda, ave Nilton!
Mas, Marinho, gênio que anunciava a era moderna, não queria saber dessas histórias, não queria levar a vida marcando pontas, ele era amante da bola, a bola o adorava e ele a ela, ele queria subir com ela nos pés, ao ataque; Marinho queria ver o povo aplaudindo seus dribles, Marinho queria eternizar suas arrancadas da defesa driblando o ponta que marcava, driblando um, dois, três, até chegar lá na frente e chutar, executando o goleiro, ou até eventualmente cruzar, dando a bola, de bandeja, para qualquer atacante medÃocre empurrá-la para a rede.
No Náutico, Marinho, aquele menino que mais parecia um surfista da Praia de Boa Viagem, loiro, cabelos longos esvoaçantes, como os dos revolucionários Beatles, acordou o paÃs da bola para uma nova postura.
Lateral? Que lateral, que nada, aquele menino era a encarnação da liberdade nos tempos da ditadura, com ele a bola se sentia bem, às favas os pontas, ao ataque!
Foi uma loucura.
Marinho, ainda no Nordeste, se transformou em manchete de todos os jornais do Brasil no inÃcio dos anos 70, ele era a revolução do futebol, depois de todos aqueles esquemas tradicionais defensivos, alguém, dentro das quatro linhas libertava a "esfera? das amarras, com Marinho técnico algum podia!
O Botafogo, que tem imensa torcida no Nordeste, enamorou-se por Marinho, logo o levou para o Rio de Janeiro, adquiriu seu passe do Náutico, o menino foi para Rio, ele, Marinho, com a camisa do Botafogo, parecia um pombo livre a voar, o Rio de Janeiro é um espaço de liberdade que a natureza evoca ao mundo.
Na seleção - Givanildo (à esquerda) ao lado de Marinho Chagas em passagem de ambos pela Seleção Brasileira
Marinho, naquele excepcional Botafogo do final dos anos 60, começo da década seguinte, transformou o Maracanã em um palco teatral. Marinho driblava, ia à frente, chapelava inimigos, fazia gols, marcava o ponta e longe dos campos freqüentava a noite e até tocava violão na TV!
Capa das maiores revistas de futebol e de variedades, Marinho, no alvorecer dos anos 70 conquistou a "Cidade Maravilhosa?, depois de Garrincha e de Gérson, um só Ãdolo, ele, Marinho Chagas, era o nome de todos os nomes para a torcida do Botafogo, a torcida do Botafogo o idolatrava, as torcidas rivais também, em segredo.
Eu, de longe, acompanhava o percurso do Ãdolo e ficava maravilhado com as suas peripécias.
Marinho era um show, um craque como poucos, um jogador além de seu tempo!
Quando ele saÃa da própria área, bola colada aos pés, driblando o ponteiro que deveria marcar, avançando como uma flecha ao ataque, cabelos dourados ao vento, o estádio vivia um delÃrio, Marinho roubava o espetáculo!
Anos 70 - AÃ, está Marinho Chagas, no auge, em 74. Foto enviada pelo internauta Walter Roberto Peres.
No Botafogo, vi Marinho operar prodÃgios. Em certa noite, no lendário Pacaembu, fui assistir a Palmeiras de LuÃs Pereira, de Ademir da Guia, de Cesar e de Leivinha contra o clube da "Estrela Solitária?. O Palmeiras fez 1 x 0 e o Botafogo, de Roberto Miranda e de Jairzinho, o "Furacão?, empatou. O Palmeiras fez 2 x 1 e faltavam poucos minutos para o fim.
Houve um escanteio, Rogério, o ponta-direita, cobrou, LuÃs Pereira cortou de cabeça e a bola caiu no bico da grande área, lado esquerdo do ataque do Botafogo: Marinho vinha em alta velocidade por aquele setor, não esperou a pelota cair, de sem-pulo mandou uma bomba para o alto do arco de Leão, que nem se mexeu.
Um gol para a história do futebol, um dos mais lindos que já vi.
Lembro-me de ver Marinho ajoelhado à beira do campo, irreverente, alegre, mandando beijos afetuosos à torcida palmeirense?
Marinho marcou época no Botafogo, o Rio de Janeiro estava aos seus pés quando, numa transação milionária, foi cintilar no Fluminense. Marinho foi jogar talvez no maior Fluminense de todos os tempos.
Com a famÃlia - Esse Marinho foi sensacional.
No Flu, Marinho também arrebentou, a bola era, positivamente, amante apaixonada de Marinho.
Na Copa do Mundo de 1974, Marinho era nosso lateral-esquerdo. Marinho pouco se lixava para os pontas, os pontas é que deveriam se preocupar com ele!
Dizem que Leão, irado, o teria agredido com um tapa nos vestiários depois de um gol da Polônia.
Hoje em dia isso teria se passado em branco, não há mais laterais marcadores de pontas, Marinho tinha ido à frente e levamos um gol. E da�
Ver Marinho voar com a bola colada aos pés, indo ao ataque, era delirante, ao inferno o resto!
Marinho foi o maior lateral que eu vi em ação. Marinho era um artista, um virtuose, um jogador para a eternidade!
Tricolor - anos 80 - Esta foto ilustrou um calendário comemorativo do São Paulo aos seus 46 anos de vida, em 1981. Em pé estão Waldir Peres, Getúlio, Oscar, Dario Pereyra, Almir e Marinho Chagas; agachados vemos Paulo Cesar, Renato, Serginho, Mário Sérgio e Zé Sérgio.
Do Fluminense, Marinho, depois de muita alegria, depois de dar espetáculos memoráveis, partiu para os EUA. Foi Pelé quem indicou seus craques favoritos para fundar, nos EUA, a paixão pela bola, claro, um monstro como aquele, Marinho, o namorado da bola, não poderia estar fora.
Marinho então jogou no New York Cosmos, deixou abismados os americanos, foi para o Strikers, fez chover na América do Norte até que o "Mais Querido? do mundo o contratasse.
Como me lembro dessa época!
Marinho, o gênio, o anunciador do futuro, veio integrar a "Máquina Tricolor de 81? um dos melhores São Paulos FC que eu vi jogar.
Waldir, Getúlio, Oscar, Dario Pereira e ele, Marinho. Almir e Everton. Paulo Cesar, Renato, Serginho e Zé Sérgio, um esquadrão que jogava para a frente, um time inesquecÃvel, que depois teve Mário Sérgio, o mágico, na ponta esquerda.
Marinho aportou no Tricolor Paulista com o comportamento que era de seu costume. Desafiou os adversários pelas rádios, pela TV, entrou em campo jogando beijos para a torcida, agitou São Paulo, fez tremer o Morumbi!
Até hoje me lembro, dentro tantas, de uma apresentação emblemática de Marinho Chagas, o gênio, no Templo Tricolor. Era um São Paulo x Grêmio numa tarde calorenta de domingo, pelo Campeonato Brasileiro.
Marinho deu um verdadeiro show!
SPFC - 81 - Em pé: um membro da comissão técnica, Waldir Peres, Getúlio, Almir, DarÃo Pereyra, Gassem e Marinho Chagas. Agachados: Hélio Santos (massagista), Paulo César Capeta, Renato, Serginho, Heriberto e Mário Sérgio.
Pela esquerda do ataque tricolor ele arrebentou. SaÃa como uma flecha, driblando, ninguém o segurava, que espetáculo!
Marinho ia à frente como um bólido, em sentido vertical, Marinho ia à linha de fundo, deixava dois ou três beques doidos e cruzava para Serginho marcar. Serginho fez 3 gols em três avançadas deslumbrantes de Marinho, o Mais
Querido venceu o poderoso Grêmio por 3 x 0 e eu saà do Morumbi como se estivesse saindo de um espetáculo de jazz, extasiado, caindo de glórias!
Meu Deus, como jogava esse Marinho Chagas!
Marinho e a bola tinham tal intimidade que ela, ela, a bola, a deusa branca, parecia, de tão embevecida quando estava nos pés dele, que ficava levinha e gostosa; tenho visto poucas vezes a bola se render assim, tão maravilhada, aos pés de um craque?
Vou contar: Marinho, em São Paulo, morou na Avenida Ipiranga, no maior dos hotéis da época na Capital. Ele era uma estrela de brilho inigualável, que agitava a Capital! Foi lá que, pela primeira vez o encontrei. Eu saÃa (ou entrava) numa audiência, naquele tempo havia Fóruns por lá, encontrei-me com o astro, falei com ele e ele, simpático, declarou solenemente seu amor ao São Paulo FC.
Senti que havia sinceridade, a sinceridade é indisfarçável.
Dias se passaram, Marinho ia conquistando a torcida com declarações bombásticas quando apareceu no Morumbi, onde o São Paulo treinava, (não havia CT), de surpresa, o astro musical Júlio Iglesias.
Com o cantor - Da esquerda para a direita: Poy, Dario Pereyra, Julio Iglesias e Marinho Chagas.
Fogão nos anos 70 - Vejam o Botafogo de 1973, em foto da revista Manchete. Em pé, da esquerda para a direita: Miranda, Wendell, Osmar, Brito, Marinho Chagas e Carlos Roberto. Agachados: Zequinha, Marco Aurélio, Fischer, Jairzinho e Dirceu. Quem nos enviou a foto foi Walter Roberto Peres.
Ele vinha pedir um autógrafo e uma camisa do São Paulo FC a Marinho Chagas, seu maior Ãdolo. A cidade de São Paulo parou de uma vez, os jornais noticiaram em letras garrafais, os adversários deploraram, os homens neutros respeitaram como se ouvissem o hino nacional, as mulheres compraram lágrimas para fazer poesia do encontro, ninguém brilhava mais do que Marinho Chagas, nem Júlio Iglesias!
Depois disso eu vi Marinho nos encontros memoráveis dos ex-jogadores do Tricolor, que pérfidos diretores encerraram.
Juntos, eu e ele, nos lembramos de passagens inesquecÃveis, Marinho ama o São Paulo FC, é um são-paulino convicto!
Eu sustento, e sustentarei até a morte, que Marinho Chagas foi o maior lateral de todos os tempos, um ala quando não havia alas, um lateral futurista, um craque além de seu tempo. f
Amistoso em 1974 - A Seleção Brasileira disputou um amistoso contra a Tchecoslováquia, em 7 de abril de 1974. O time se preparava para a Copa da Alemanha. O resultado foi 1 a 0 para o Brasil, gol de Marinho Chagas. Em pé: Zé Maria, Marinho Chagas, Wendell, LuÃs Pereira, Piazza e Carbone. Agachados: Mário Américo, Jairzinho, Paulo César Carpegiani, Mirandinha Ademir da Guia, Edú e Nocaute Jack. Foto enviada por Walter Roberto Peres e publicada na Revista Placar
Marinho foi o lateral que mais fez gols ao longo da carreira, foi o professor de todos os laterais, foi ele quem inventou a posição de ala como arma letal, foi ele quem transformou laterais em meias, ninguém jogou mais do que ele na posição, que me perdoem os que lêem e respeitam as enciclopédias, para mim Marinho Chagas foi o maior, Marinho é a antologia plástica da bola, a camisa mais linda do mundo se engalanou quando foi envergada por Marinho Chagas, eu vi isso acontecer, graças a Deus e não me esquecerei, jamais!
Ave, Marinho,
Marinho é eterno!
Paz, meus iguais.
Antonio Carlos Sandoval Catta-Preta é advogado e São-Paulino.
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