A pelada mais gostosa do mundo é a minha. Marcamos rendez-vous todas as quintas-feiras, à noite. Compromisso sagrado. Remontando aos primórdios, nossos primeiros encontros datam dos anos 90 do século passado, na areia grossa do campo do Zé Pedro, quando grama sintética ainda era uma doce quimera.
Craques e pernas de pau chegaram e se foram ? alguns deixaram saudade; outros, nem a mais vaga lembrança. Hoje, a média etária dos atletas gira em torno dos 40. Se a vitalidade de antanho teima em nos abandonar; o tempo ensinou os atalhos: as juntas se enferrujam, enquanto o cérebro excede. Quem dera...
Ao contrário de outras, a minha pelada não serve de mero pretexto para o congraçamento pós-jogo, os gêmeos siameses cerveja-churrasco. Ela basta por si só. A começar que contamos com dois goleiros de gabarito (evoé, Diogo "Mika" Heineken e Glauco "Loquaz? Aranha): os pilares da felicidade da gente.
Depois, a disputa, acirradÃssima (até o RaÃ, do alto de sua elegância, colocou as barbas de molho), prescinde de muxoxos e mimimis. Tal qual a Premiere League, quase não se marcam faltas, a redonda rola o tempo todo, a média de gols é econômica e os dribles, rarefeitos. Conforme prescreve o mantra do nosso decano ? um conhecido comentarista são-paulino, ferrenho discÃpulo de Lazaroni: mais vale um volante na mão do que dois pontas voando.
A minha pelada seduz pela glória da fama imaginária, como no circo ou durante o carnaval. Pois o sujeito, que das oito à s seis só veste a camisa 4, atuando na retranca da sobrevivência, quando calça as chuteiras não pipoca na cara do gol. O tÃmido pede a bola em namoro, o sisudo escancara sorriso. E o pródigo, cheio de amor para dar, não larga o osso de jeito nenhum. Pois, não se engane, companheiro, o jogo é à vera: vale os três pontos.
Como numa longa sessão de terapia, em campo, cada um expia suas aflições. Compreende-se de bom grado que, em noites menos honestas, canelas alheias se tornem mais suscetÃveis à s frustrações de um dia canhoto. Faz parte. E o banho coletivo a encerrar as atividades lava para o ralo o resto da mesquinhez acumulada.
Sob o chuveiro muquirana, muito quente ou muito frio, compartilhando o sabão, as frieiras e as mazelas, reconfirmamos a cada semana a dimensão da nossa doÃda humanidade.
Imagem: @CowboySL