Como conciliar a sua visão sobre a volta do futebol e a missão de levar um fato aos seus ouvintes

Como conciliar a sua visão sobre a volta do futebol e a missão de levar um fato aos seus ouvintes

E o dia chegou. Quatro meses depois, lá vamos nós empunhar o microfone da rádio BandNews FM para narrar o dérbi, logo mais, pelo Campeonato Paulista. Corinthians e Palmeiras se enfrentam pela penúltima rodada do estadual, sem torcida, na Arena Corinthians às 21h30. Enquanto isso, o Brasil anota uma média de mais de mil pessoas mortas na última semana pela Covid-19. Como aliar uma paixão nacional que denota alegria e festa a um momento que deveria ser de luto?

Não é fácil separar a pessoa física da jurídica em um dia como hoje. A satisfação de trabalhar em um clássico deste tamanho joga contra a tristeza de ver como perdemos a sensibilidade diante da gravidade da pandemia. Aqui, enquanto estudo para a transmissão, resgato o que vi semana passada, com os jogos derradeiros do polêmico Campeonato Carioca, vivido na mesma berlinda. Duelos enormes, sem o público - que dá sentido ao espetáculo - e a alegria estéril, quase egoísta, do campeão. E eu ali, exaltando a conquista no som do rádio.

Nessas horas, resgato uma das definições de jornalismo que eu mais gosto, escrita por Carlos Costa no prefácio do livro "Jornalismo e contemporaneidade - Um olhar crítico". "É uma atividade informativa, realizada periodicamente e difundida pelos meios de comunicação, num compromisso de natureza social e com finalidade pública". Um jogo de futebol que coloca frente a frente uma massa que representa 20% dos torcedores do país é um fato jornalístico e precisa, assim como a pandemia, ser noticiado. Essa é a resposta fácil e pronta - com números - na ponta da língua de qualquer profissional de comunicação envolvido nesta cobertura. Não dá para dar de ombros à partida.

No entanto, a narração esportiva não é uma tarefa puramente informativa. Os grandes mitos do rádio e da televisão na locução do esporte tinham toques artísticos. Uns poéticos, outros quase acrobáticos, alguns sonoros, mas com algo em comum: colorir e levar vida aos olhos e ouvidos de seus públicos. Nós vivemos disso. Sim, a arte também pode ser contestadora e crítica, apontar os maus caminhos com beleza e aventura criativa, mas sem menosprezar nem diminuir o próprio ofício.

Quem irá assistir ou ouvir o Corinthians x Palmeiras de hoje espera receber um abraço, um tapa no ombro, um sorriso de nós, locutores. Uma breve injeção de ânimo em meio a tantas preocupações, angústias e sofrimentos de um cotidiano carente de bons momentos. É sim função do narrador esportivo, enquanto a bola estiver rolando, transportar o torcedor para o nosso mundo de fantasias. Meu trabalho é, durante 90 e poucos minutos, abduzi-lo da realidade cinza para um ambiente sonoro colorido. É terapêutico, salutar, fundamental para a alma de quem gosta da bola.

Sendo assim, logo mais, quando abrir a jornada, o jornalista vai dizer do absurdo que é ter futebol enquanto milhares perdem a vida, que não há o que celebrar. Mas, quando os times estiverem em campo e a "gorduchinha", diria Osmar Santos, rolar solta no gramado, cabe a mim trazer o máximo de alívio possível aos ouvidos e às mentes dos que fazem do rádio o seu lenitivo com ou sem pandemia.

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